"Brics não deveria ser visto como oposição a qualquer outro fórum ou grupo de países", afirma Matias Spektor
Para professor da FGV, bloco tem utilidade geopolítica, mas não oferece alternativa real à ordem global ocidental
247 - Durante o evento Construindo Coalizões para a Ação Climática no BRICS Expandido, realizado no Rio de Janeiro pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), o professor Matias Spektor, vice-diretor da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), contestou a ideia de que o Brics possa substituir a atual estrutura de poder global liderada pelo Ocidente. A fala foi destacada pelo jornal Valor Econômico nesta quinta-feira (3).
“Uma lição para nós é começar a repensar o que é o Brics. O grupo é utilíssimo, mas não vai ser uma ordem capaz de oferecer uma alternativa global ao Ocidente. É injusto e uma fantasia pensar que o Brics pode entregar algo disso”, afirmou Spektor. O professor argumentou que o debate sobre o bloco como uma nova governança global tem se afastado da realidade concreta. “Tem que estar em coisa muito mais ‘ao chão’”, pontuou.
Bloco ampliado, mas limitado
Criado em 2005, o Brics reúne atualmente 11 países: Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã. A ampliação recente, entre 2024 e 2025, não foi suficiente, segundo Spektor, para justificar análises que apontam uma suposta ofensiva sino-russa contra o Ocidente.
“O que a gente aprendeu nos últimos dias é que esse susto é exagerado. O Brics não deveria ser visto como oposição a qualquer outro fórum ou grupo de países, mas como resposta a desafios geopolíticos atuais”, disse.
Para ele, a verdadeira contribuição do bloco está em sua capacidade de facilitar convergência em temas econômicos: “Pode entregar algo muito mais rico, muito mais justo, que é a gente ter, de fato, fluxos comerciais e financeiros que reflitam a nova ordem internacional”.
Divergências internas e clima político
Spektor também alertou para as dificuldades internas enfrentadas pelo Brics após sua expansão. Segundo ele, a diversidade dos integrantes é tamanha que compromete até mesmo acordos básicos. Como exemplo, citou a reunião de chanceleres realizada em maio, que terminou sem uma declaração conjunta. Houve discordâncias sobre a reforma do Conselho de Segurança da ONU, o que levou o Brasil, na presidência rotativa do grupo, a divulgar documento próprio.
“O processo de expansão revelou a diversidade do Brics. É um grupo tão diverso que não se consegue consensos minimalistas pra projetar visão unificada de ordem global”, avaliou.
Ele ainda destacou que, diante do atual cenário de tensões internacionais, não seria surpreendente que a cúpula dos líderes, marcada para domingo (6) e segunda-feira (7), termine sem uma declaração final. “Se vocês abrirem páginas das consultorias políticas de risco, todas dizem que é impossível prever se haverá uma declaração conjunta na cúpula.”
Transição energética e segurança alimentar
Outro ponto sensível, segundo Spektor, é a transição para uma economia de baixo carbono. Embora o Brics inclua grandes produtores de petróleo, o pesquisador defendeu que o bloco não pode se furtar a debater soluções sustentáveis. “Quando a gente pensa em Brics expandido e o desafio do clima, a gente sai do campo político. A relação com as grandes potências precisa ir para algo muito mais importante na atual conjuntura para que a gente possa encaminhar, de fato, soluções sustentáveis.”
Além disso, ele defendeu a construção de uma linguagem comum sobre segurança alimentar, já que o grupo reúne países com posições opostas no debate agrícola, num momento em que a Organização Mundial do Comércio (OMC) “está ferida” e perdeu protagonismo nesse campo.
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