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BRICS desafiam hegemonia global e anunciam nova era multipolar, diz José Kobori

Em entrevista à TV 247, professor detalha como o bloco pode romper o imperialismo e oferecer ao Sul Global um modelo de desenvolvimento mais humano

José Kobori, na sede da TV 247 (Foto: Nicolas Iwashita / Brasil 247)
Redação Brasil 247 avatar
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247 – A cúpula presidencial do BRICS, marcada para o Rio de Janeiro nos dias 6 e 7 de julho, serviu de pano de fundo para a entrevista concedida pelo professor e financista José Kobori ao jornalista Leonardo Attuch, exibida pela TV 247 na sexta-feira (4).

Gravada dois dias antes, a entrevista traz uma radiografia densa da crise da ordem unipolar conduzida pelos Estados Unidos e um roteiro de como a articulação entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul pode abrir caminho para uma “nova era multipolar”. 

“Talvez nós estejamos diante do fim do império americano e do nascimento de um mundo de vários polos”, resumiu Kobori logo no início do diálogo, classificando o BRICS como “um bloco contra-hegemônico” que aposta em cooperação econômica e técnica, e não em alianças militares.

O dólar como ferramenta de dominação

Kobori foi didático ao explicar a centralidade da moeda norte-americana na arquitetura de poder de Washington. Segundo ele, o sistema “euro-dólar” – sustentado desde os anos 1970 pelo acordo do petrodólar com a Arábia Saudita – garante aos EUA o “privilégio exorbitante” de financiar seus déficits imprimindo moeda. 

“Se os países pararem de usar o dólar, os Estados Unidos perderão a capacidade de sustentar 800 bases militares espalhadas pelo planeta”, disse. Ele lembrou que, após congelar reservas russas em 2022, Washington mostrou ao mundo “o risco de manter ativos denominados em dólar”, o que acelerou iniciativas de diversificação cambial, sobretudo da China.

Alternativas ao Swift e o papel do Novo Banco de Desenvolvimento

A hegemonia do dólar depende também do Swift, o sistema ocidental de liquidação financeira que, conforme lembrou Kobori, “ainda leva até cinco dias para compensar transações internacionais”. 

Ele destacou que Pequim já opera um mecanismo próprio de pagamentos em renminbi capaz de liquidar operações “em quinze segundos” e avalia que o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), presidido por Dilma Rousseff, pode ser a plataforma para uma cesta de moedas lastreada em reservas dos países do bloco. 

“Não é fácil nem imediato, mas o caminho é criar um circuito financeiro graduado que reduza a exposição à moeda norte-americana”, avaliou.

Brasil: entre a ousadia e a pressão externa

Para Kobori, o Brasil “precisa sair de cima do muro” e assumir posição de liderança no BRICS. Ele teme, porém, que uma eventual vitória da extrema-direita possa recolocar o País sob a órbita de Washington. “Há setores que sonham em retirar o Brasil do bloco para agradar aos EUA”, alertou. 

Mesmo assim, o economista aposta que o Planalto dispõe de margem para aprofundar laços Sul-Sul: “Temos mais a ganhar reforçando uma frente anti-imperialista do que cedendo a retaliações.”

Multipolaridade, guerra e segurança

Ao tratar dos conflitos recentes, Kobori afirmou que a operação russa na Ucrânia “quebrou o monopólio da guerra” exercido pelos EUA desde o fim da URSS e que o cerco ao Irã tenta salvar o petrodólar. “Israel, Reino Unido e Washington querem desacoplar a rota da seda e intimidar quem negocia petróleo fora do dólar”, disse. 

Questionado sobre a defesa nacional, o professor foi direto: “O Brasil deveria considerar ter dissuasão nuclear. Só nós, entre os fundadores do BRICS, ainda não possuímos esse recurso estratégico.”

Crítica frontal à financeirização

Ex-operador de mercado, Kobori classificou a financeirização como “a nova forma de colonialismo” porque “extrai valor sem precisar ocupar fisicamente países”. 

Ele citou gigantes como BlackRock e Vanguard: “Controlam participações cruzadas em quase todas as companhias e pressionam por lucros de curto prazo, encurtando ciclos de crise e provocando desindustrialização no Ocidente.” O resultado, afirma, foi a transferência de fábricas para a China, “acabando por criar a potência que hoje desafia o império”.

Justiça tributária e ‘ditadura da burguesia’

O economista endossou a campanha do presidente Lula por taxar super-ricos, classificando-a como “mínimo de social-democracia europeia” e denunciando a estrutura regressiva do sistema brasileiro. “Aqui vivemos a ditadura da burguesia: sempre que se tenta tributar os mais ricos, a reação é feroz”, disse. 

Em contraste, mencionou o Japão – onde morou na juventude – como exemplo de sociedade com alta carga progressiva e ampla classe média: “Lá, 90% da população sente estabilidade; no Brasil, a desigualdade é gritante.”

Democracia liberal sob escrutínio

Kobori sugeriu que o sucesso chinês abala o mito de que apenas a democracia liberal ocidental traz prosperidade. “A China é chamada de ditadura, mas opera uma ‘ditadura do proletariado’ baseada em conselhos populares. No Ocidente, vivemos a ditadura do capital”, provocou. Para ele, a ascensão de modelos híbridos – socialismo de mercado chinês ou economias mistas do Sudeste Asiático – impõe revisão conceitual às velhas categorias políticas.

Encerrando a entrevista, Kobori afirmou que o momento atual é “intelectualmente mais excitante” do que a rotina de índices e derivativos que marcou três décadas de carreira no mercado. “Estamos diante de uma chance histórica de construir uma ordem multipolar, mais humana e cooperativa. É complexo, mas infinitamente mais estimulante do que o mundo reduzido a números”, concluiu, citando o conceito chinês de “destino compartilhado para a humanidade” como possível sinal de que uma alternativa pacífica – e não a barbárie – ainda pode prevalecer. Assista:

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