Por que o Irã, mesmo sob sanções, tem bolsa de valores maior que a do Brasil? CVM terá oportunidade de explicar na Câmara
No momento em que o governo Lula se empenha para atrair investimentos, autarquia é acusada de agradar “clubinho” e de atuar sob conflito de interesses
Uma nota publicada na coluna de Guilherme Amado, do Platô, acendeu o alerta sobre um possível conflito de interesses na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O presidente da autarquia, João Pedro Nascimento, é irmão de um alto funcionário do banco BTG Pactual — instituição com histórico de processos regulatórios analisados pelo próprio órgão.
A revelação provocou reação imediata no Congresso. O deputado federal Felipe Barros (PL-PR), integrante da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, classificou o caso como “extremamente preocupante” e levantou suspeitas sobre a isenção da CVM em processos que envolvam o BTG.
“O fato de o presidente da CVM ter seu irmão como um dos diretores do BTG é algo que, no meu ponto de vista, pode até ser legal, mas moral certamente não é. Gera questionamentos por toda parte”, afirmou Barros ao 247. Um detalhe: João Pedro Nascimento foi indicado no governo de Jair Bolsonaro, que Barros defendeu ardorosamente.
Em resposta, o parlamentar apresentou três requerimentos já aprovados para convidar João Pedro Nascimento a prestar esclarecimentos no plenário da comissão.
“Desde o início do ano, venho tentando diálogo com ele, mas não tive retorno. Inclusive, ele cancelou de última hora uma reunião agendada comigo na Câmara, alegando problemas de saúde”, disse Barros. Para o deputado, a soberania econômica e financeira do país está em jogo, e a CVM precisa responder com clareza e transparência.
O deputado chegou a dizer que a CVM se transformou em um “clubinho”, que agrada os amigos e procura manter distantes os que querem abrir seu capital.
CVM nega conflito e acusa “narrativa infundada”
Procurada pelo Brasil 247, a CVM divulgou nota oficial refutando qualquer irregularidade. A autarquia afirmou que “não houve qualquer situação que configurasse impedimento legal ou suspeição do Presidente da Autarquia nos casos citados”, conforme os critérios da Lei nº 9.784/1999 e da Resolução CVM nº 45/2021.
Segundo a CVM, o suposto conflito apontado diz respeito à relação familiar entre João Pedro Nascimento e seu irmão, José Lúcio Nascimento, que não teria qualquer envolvimento com os processos analisados pela comissão.
A nota ainda esclarece que José Lúcio não é diretor estatutário nem conselheiro do BTG Pactual, tampouco tem poder de representação perante órgãos públicos. Ele seria apenas um empregado do banco com participação minoritária no modelo de partnership, sem influência na governança da instituição.
A autarquia destacou que todos os processos envolvendo o BTG foram decididos de forma colegiada, com base em pareceres técnicos, e que o voto do presidente esteve sempre alinhado com esses pareceres.
Por fim, a CVM reafirmou seu “compromisso com a ética pública, a transparência e a integridade institucional” e lamentou que o caso esteja sendo usado para alimentar “narrativas infundadas contra servidores públicos”.
Sobre o convite da Câmara
Quanto ao convite para comparecimento do presidente à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, a CVM declarou que “é um órgão de Estado e seus servidores estão, sempre que necessário, à disposição para o diálogo, a escuta ativa e a construção coletiva”.
Com o convite já aprovado, a expectativa é que João Pedro Nascimento seja ouvido nas próximas semanas. O caso deverá seguir no centro do debate público sobre governança e integridade nas instituições que regulam o mercado financeiro nacional.
Por que a B3 tem menos empresas listadas do que a Bolsa do Irã?
A B3, bolsa de valores oficial do Brasil e que é fiscalizada pela CVM, é tida como o principal termômetro do mercado financeiro do país. Mas um dado constrangedor revela uma realidade incômoda: a bolsa brasileira tem hoje menos empresas listadas do que a Bolsa de Valores de Teerã — sim, do Irã, um país submetido a sanções econômicas severas pelos Estados Unidos e outras potências há mais de 40 anos.
Como é possível que uma das maiores economias da América Latina, com centenas de empresas de médio e grande porte, esteja atrás de um país isolado economicamente, cuja moeda sofre com inflação alta e cuja população tem acesso limitado ao sistema financeiro global?
Parte da resposta está para o deslocamento da economia mundial que tem a China como protagonista, aliada da Rússia, e os dois países têm parceria com o Irã, não submetida às sanções. Mas não apenas isso. O Irã usou sua bolsa como instrumento para desenvolvimento do país.
A nação persa criou um mercado de capitais numericamente mais vibrante. A Bolsa de Teerã tem hoje mais de 600 empresas listadas. Isso porque, apesar das limitações externas, o governo iraniano optou por estimular fortemente o financiamento via mercado de ações, inclusive privatizando empresas estatais por esse canal.
Já a B3 tem pouco mais de 400 empresas listadas e, por isso, é preciso lançar um olhar crítico para o seu funcionamento e também o da CVM, à qual cabe dar a palavra final aos pedidos das companhias que querem abrir seu capital e atrair investimentos.
É claro que os juros elevados desestimulam o mercado de capitais, mas, por outro lado, há empresas que querem lançar ações para buscar recursos, num ambiente de dinheiro caro nas instituições financeiras.
Porém, os custos de abertura de capital são altíssimos, o processo regulatório é burocrático e demorado, e o tratamento dado a pequenos e médios investidores ainda é frágil.
O mercado de capitais brasileiro parece moldado para atender a poucos: grandes bancos, gestoras e empresas bilionárias — enquanto empresas médias, regionais ou familiares encontram portas fechadas.
O contraste com o Irã é embaraçoso. O Brasil tem capital humano, um setor empresarial diversificado, tecnologia e recursos naturais abundantes. Mas falta visão estratégica para transformar a B3 em um verdadeiro motor de desenvolvimento econômico.
Em vez disso, o mercado de capitais segue restrito, concentrado, e distante da realidade de milhares de empresas que poderiam crescer, inovar e gerar empregos — se tivessem acesso mais democrático ao capital.
Enquanto não houver uma reforma profunda no ambiente regulatório, e enquanto a própria B3 não repensar sua função como plataforma de crescimento inclusivo, seguiremos amargando o fato de que até uma bolsa sob sanções internacionais tem mais vitalidade do que a nossa. E isso não é apenas um dado estatístico — é um reflexo de gestões erradas.
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