Cada criança morta em Gaza é uma civilização que morre, diz Eugênio Bucci
Jornalista critica massacre de civis, alerta para ameaça à democracia e denuncia avanço da “razão desumana”
247 - Em uma entrevista contundente ao programa Giro das Onze, da TV 247, o jornalista, professor e escritor Eugênio Bucci compartilhou reflexões sobre os horrores em Gaza, os riscos à democracia brasileira e a emergência de uma lógica desumanizadora que se impõe à civilização contemporânea. O diálogo partiu do lançamento simultâneo de seus dois novos livros: A razão desumana, pela editora Autêntica, e Que não se repita, publicado pela recém-fundada Seja Breve. Ambos servem de fio condutor para uma análise crítica das violências simbólicas e físicas que marcam nosso tempo.
Bucci, conhecido por sua trajetória na comunicação pública e sua produção intelectual, afirmou que o cenário em Gaza representa mais do que um conflito geopolítico: "Cada criança morta lá é uma civilização que morre. Nós precisamos, enfim, ter isso presente", disse ele, ao comentar as atrocidades cometidas contra civis palestinos. “O que acontece em Gaza não é aceitável. É uma agressão contra uma população desarmada, indefesa e que vem sofrendo violências indescritíveis.”
A razão que se voltou contra a humanidade - Segundo o autor, o conceito de “razão desumana” que nomeia sua obra remete à ação de uma lógica instrumental fria, que se alia ao capital e à técnica para justificar o injustificável. “É uma técnica surgida do engenho humano que vai virando um moto próprio e que se alia, num determinado momento, à força do capital”, afirma. Ele destaca que o problema não se resume ao Oriente Médio: “Nós temos uma situação de gravíssimas violações de direitos humanos em várias partes do mundo — e muitas delas acontecem no escuro.”
Bucci recorre à literatura e à filosofia para estruturar sua crítica. Ao evocar o clássico Frankenstein, de Mary Shelley, como metáfora da técnica emancipada do controle humano, ele argumenta que “essa criatura criada pela ciência, que se volta contra o criador, é o retrato da técnica que eu tento descrever”. Esse processo, segundo ele, culmina na supremacia de uma racionalidade destrutiva que relega o humano à condição de coadjuvante.
Gaza, semiótica da barbárie - Instado a refletir sobre a linguagem e seu papel na mediação dos sentidos da tragédia, Bucci destacou a disputa em torno das palavras como parte essencial da luta política contemporânea. “A palavra genocídio se aplica? Em que termos? Por que tanta resistência em seu uso? A disputa pela linguagem define a conduta de instituições e governos”, disse ele, apontando que o silêncio ou o eufemismo diante do massacre em Gaza contribui para a banalização do horror.
Em sua visão, não é mais possível separar política de ética quando vidas humanas estão em jogo. “Se a gente aceita isso, a gente aceita qualquer coisa. E então, nós deixamos de ser humanos.”
A democracia sob ameaça contínua - No livro Que não se repita, Bucci oferece uma crônica do que considerou uma tentativa de golpe gradual durante o governo Bolsonaro. A obra reúne artigos publicados no Estadão entre 2019 e 2022, compondo um retrato de um país à beira do autoritarismo. “Toda a estrutura de ações daquele governo tinha o propósito de, por uma manobra ou conjunto de manobras, interromper o fluxo da democracia e estabelecer um regime de exceção”, advertiu.
Embora reconheça que o sistema judiciário brasileiro tem cumprido seu papel ao investigar e julgar os responsáveis pela trama golpista, Bucci expressa ceticismo sobre a estabilidade institucional: “A turbulência política do Brasil se renova e surpreende. Ninguém no mundo está tranquilo com a democracia em que vive.”
O poder destrutivo da desinformação - Outro eixo da entrevista foi a análise do ambiente informacional dominado por plataformas digitais e por uma desinformação que Bucci define como “inculta e sedutora”. Para ele, não se trata apenas da ausência de informação, mas de um sistema que bloqueia ativamente o acesso à verdade: “A desinformação não se resolve mais com informação. Há um fanatismo instalado que veda os sentidos”.
O jornalista criticou duramente o papel de conglomerados como o Google durante a tramitação do PL das Fake News no Congresso: “Liberdade de expressão é um direito humano exercido por pessoas humanas. Um conglomerado global não tem liberdade de expressão, tem dever de transparência. O que vimos foi abuso de poder.”
Entre a barbárie e a palavra - Bucci encerrou sua participação com um apelo à dignidade humana mediada pela linguagem: “Não há ação civilizatória que não tenha sido pensada e executada por meio de palavras. A civilização só existe onde há indignação e a capacidade de dar consequência a essa indignação.”
Diante de uma razão que se tornou “desumana”, o autor convoca à resistência pela ética e pela palavra. “Humanidade não é um coletivo de seres humanos. Humanidade é uma condição. E quando perdemos isso, perdemos a razão de estarmos aqui.” Assista:
❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com [email protected].
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: