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Labubu, o monstrinho que ri do clichê “made in China”

Com 1 bilhão de visualizações no TikTok, vídeos sobre os bonecos simbolizam a virada do país asiático rumo à criação de valor com propriedade intelectual

Mulher caminha com acessórios Labubu na China (Foto: Xinhua)
Redação Brasil 247 avatar
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Por Fernando Capotondo, para o 247 - Apenas 13 centímetros de pelúcia, olhos esbugalhados, orelhas pontudas e um sorriso meio assustador. Assim é Labubu, o popular boneco que surgiu de um personagem de contos infantis e se transformou em um dos maiores representantes do “Criado na China”, o novo paradigma que tenta substituir – com aparente sucesso – o velho estigma do “Feito na China” como sinônimo de produto barato e de má qualidade. “Não é um simples brinquedo, já é uma propriedade intelectual cultural”, afirma Wang Ning, CEO da Pop Mart, a megacorporação que não para de faturar graças ao monstrinho de design que surpreendeu consumidores em metade do planeta.

Quem poderia imaginar, há alguns anos, que um brinquedo fabricado em Dongguan, no sul da China, conseguiria competir com produtos da Disney e, de quebra, ser apelidado pelo J.P. Morgan de “a próxima Hello Kitty”? Quem sonharia que a hashtag de um duende de dentes pontiagudos (#labubu) acumulasse mais de 1 bilhão de visualizações no TikTok, com uma viralização que dobra a cada segundo? Ou que o valor de revenda de alguns exemplares, cujo preço inicial gira em torno de US$ 8 na China, pudesse atingir até US$ 12 mil em plataformas como eBay ou StockX?

Ninguém, é claro.

Mas o fato é que a aparição surpreendente de Labubu entre supermodelos na Semana de Moda de Paris; os milhões de colecionadores que madrugam nas filas para garantir os últimos lançamentos; e as celebridades que posam com o boneco pendurado em qualquer parte do corpo (como Rihanna, David Beckham, Dua Lipa, Kim Kardashian e Lisa, do BlackPink), são evidências irrefutáveis do alcance real do atual processo de globalização da propriedade intelectual chinesa (ChIP, na sigla em inglês).

Nada é por acaso

Na verdade, a ascensão de Labubu como ícone cultural deve ser vista como resultado de uma política de Estado iniciada há exatamente uma década, quando Pequim lançou seu ambicioso plano “Made in China 2025”, com o objetivo de deixar de ser a fábrica barata do mundo e se tornar um polo de criação, inovação e exportação de alta tecnologia.

Nesse contexto, a popularidade do boneco é uma amostra não apenas do salto de qualidade da China em design, mas também do protagonismo crescente de suas marcas na corrida global pela criação, impulso e desenvolvimento de propriedade intelectual. “Minha intenção é criar a Pop Mart do mundo, não ser cópia de ninguém”, repete como um mantra o bilionário Wang Ning.

Distante dos tempos em que exportar propriedade intelectual chinesa era um desafio quase impossível – devido às diferenças estéticas com os países ocidentais – os criadores de Labubu parecem ter encontrado um design com “limiares culturais suficientemente baixos” para que o brinquedo seja emocionalmente acessível aos públicos mais diversos, segundo especialistas do setor que explicam o segredo de seu sucesso.

“Labubu não está atrelado a uma história fixa, o que permite aos fãs projetar seu próprio significado. Muitos jovens contam histórias pessoais e diversas por meio de Labubu”, afirma Wang.

Esse encanto irresistível

Além da primeira impressão que Labubu pode causar, especialistas em marketing indicam que o boneco consegue se conectar com uma geração jovem que se identifica com sua imagem travessa e gentil. “Ele tem uma aparência estranha e seu sorriso lascivo beira o assustador, mas eu adoro sua atitude desafiadora”, comenta Dingding, estudante do último ano da Universidade de Zhejiang.

“A ternura rebelde de Labubu reflete a complexidade emocional da juventude moderna. Sua antiestética deliberada tornou-se seu maior atrativo”, avalia Cheng Fei, designer independente de Xangai.

Embora o design original seja do artista de Hong Kong Kasing Lung – que o apresentou em 2015 na série ilustrada The Monster Trilogy – foi a empresa chinesa Pop Mart que o transformou em objeto de culto. Em 2019, a marca incluiu o boneco nas suas populares “blind boxes”, ou caixas surpresa, que transformam cada compra em um jogo virtual de sorte e suspense, já que apenas uma entre 72 unidades corresponde à cobiçada edição “secreta”, capaz de disparar a febre dos colecionadores.

Justamente, esse modelo de caixa surpresa adiciona uma dose de suspense emocional à conexão instantânea que o brinquedo já desperta. O comprador nunca sabe o que receberá, e a expectativa de encontrar uma edição especial alimenta um ciclo de dopamina, apontam os especialistas.

Nesse sentido, um relatório da Associação de Consumidores da China revelou que, em comparação com brinquedos tradicionais, esses colecionáveis oferecem um valor emocional significativo e, segundo os autores, “a liberação emocional é hoje o fator-chave nas decisões de compra dos jovens”.

Para comprovar, basta o relato de uma consumidora: “A emoção de abrir a caixa é como apostar no destino. E quando tirei uma edição secreta logo na primeira tentativa, senti que minha sorte tinha mudado”, confessou com inocência Ah Yuan, compradora de Guangzhou, à agência Xinhua.

Sorria, Labubu te ama.

Sob a influência de Labubu, a franquia “The Monsters” da Pop Mart registrou uma receita superior a 3 bilhões de yuans em 2024 (equivalente a US$ 417.729.000), o que representou um crescimento anual de 726,6% e transformou o personagem na propriedade intelectual de maior rentabilidade do conglomerado chinês de brinquedos.

Que um boneco conquiste tamanha fatia de mercado, influencie modas e apareça nos braços de estrelas da música e do cinema não é acaso, como já se disse. Trata-se de um sintoma inequívoco de uma China que deixou para trás o clichê do barato e aposta em ferramentas como curadoria produtiva, storytelling, marketing global, experiência do usuário e – principalmente – o desenvolvimento de um design próprio capaz de tocar emocionalmente o público.

Labubu é, sem dúvida, um dos embaixadores da transição entre a simples oferta de produtos manufaturados e a ascendente exportação de propriedade intelectual e marcas registradas da China. “Esse salto de qualidade é o resultado natural da evolução econômica”, avalia Lan Qingxin, professor da Universidade de Negócios e Economia Internacionais da China.

“Antes a gente comprava coisas japonesas ou coreanas. Agora somos nós que ditamos tendência. Isso me faz feliz. É esquisito, fofo, um pouco louco… como eu”, diz Mei, estudante de Xangai, que já tem 23 bonecos em sua coleção exibida no TikTok.

Labubu sorri. E a China também.

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