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Quem transformou o "sonho" migratório em um pesadelo de deportação?

Não bastava forçar a migração em massa; era necessário transformá-la em um problema regional, criando um drama para criminalizar a Venezuela

Venezuelanos na América Latina (Foto: Ricardo Moraes / Reuters)
Redação Brasil 247 avatar
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Por Randolf Borges, ÚltimasNoticias - O fenômeno migratório que marcou a Venezuela nos últimos anos começou como um conto de fadas, retratado no documentário de Ivanna Chávez Idrogo e Javier Pita "Caracas, cidade das despedidas" (2011), que registrou os primórdios de uma experiência exclusiva das classes média e alta, que lamentavam a saída de seus círculos próximos – formados por ferrenhos opositores ao governo do então presidente Hugo Chávez. Na época, o processo migratório era quase imperceptível no país, pois o fenômeno restringia-se às elites econômicas.

Com a morte de Hugo Chávez em 2013, a oposição radical viu a oportunidade perfeita para derrubar o chavismo do poder, iniciando uma série de ações violentas organizadas dentro e fora do país. Entre essas medidas, ativaram o poderoso lobby venezuelano em Miami para pressionar o governo do então presidente norte-americano Barack Obama a impor sanções econômicas contra a Venezuela, estrangulando a economia nacional e o governo de Nicolás Maduro.

Foi então que começou o calvário do povo venezolano. Privados dos recursos que moviam a economia do país devido às sanções estrangeiras, muitos buscaram alternativas de sobrevivência. O que começou como um "conto de fadas" migratório transformou-se em pesadelo quando a migração em massa de setores menos favorecidos foi incentivada, quase como um espetáculo mórbido da crise social e econômica fomentada pelos setores extremistas da oposição.

Os "coaches" da migração

Com a queda da receita nacional devido às sanções, porta-vozes da extrema-direita venezuelana tornaram-se "coaches" da migração forçada, transformando-a em uma espécie de moda nacional. Detalhavam rotas para Colômbia, Panamá, Peru, Equador e Chile, oferecendo até ônibus por preços abusivos. Muitos, iludidos por falsas promessas, partiram a pé.

Em 2018, a líder opositora María Corina Machado já anunciava, como se previsse o futuro, que a "debacle econômica" do país se aceleraria dramaticamente, e que a migração cresceria "a cada hora que passa", descrevendo os migrantes como "uma onda de venezuelanos em fuga, uma debandada nunca vista".

Na mesma linha, o hoje foragido David Smolansky afirmou em 2018 que, até 2020, o número de migrantes venezuelanos ultrapassaria 5 milhões. Carlos Vecchio, Leopoldo López e Juan Guaidó ecoaram esse discurso. Organismos internacionais de direitos humanos, tomando esses números como verdade, passaram a alertar países da região sobre uma suposta "crise migratória venezuelana", amplificando o conflito.

Anos depois, revelou-se que muitos desses opositores estavam por trás de redes de "coyotes" que lucravam com a migração ilegal. O presidente da Assembleia Nacional, Jorge Rodríguez, denunciou: "Léster Toledo, Carlos Vecchio, Leopoldo López, Carlos Paparoni, Juan Guaidó e David Smolansky, entre outros, fazem parte de uma rede de coyotes que usam suas influências no governo norte-americano e seus vínculos com traficantes colombianos para enriquecer com o negócio da migração ilegal".

Os preços cobrados para levar venezuelanos aos EUA ou outros países da América Latina variavam entre US$ 7.000 e US$ 10.000, dependendo do destino.

Transformando migrantes em criminosos

Não bastava forçar a migração em massa; era necessário transformá-la em um problema regional, criando um drama adicional para criminalizar a Venezuela internacionalmente.

Em 2017, o então presidente da Assembleia Nacional, Julio Borges, foi peça-chave dessa estratégia. Em Washington, ele declarou que "a crise já não é só da Venezuela", classificando a migração venezuelana como "uma doença contagiosa" que levava "crime organizado, paramilitarismo, tráfico de drogas e até terrorismo" a outros países.

Após suas declarações, a mídia latino-americana passou a associar venezuelanos a crimes, alimentando xenofobia que, em alguns casos, resultou em assassinatos. Anos depois, descobriu-se que setores da extrema-direita tinham ligações com a gangue criminosa Tren de Aragua, cujos membros foram incentivados a cometer delitos no exterior para validar a narrativa de Borges.

O Tren de Aragua na era Trump

A gangue tornou-se a justificativa perfeita para a oposição radical estigmatizar a migração venezuelana. Com a volta de Donald Trump à Casa Branca, a direita venezuelana pressionou para que o grupo fosse declarado organização terrorista, facilitando deportações em massa.

Recentemente, venezuelanos deportados para El Salvador – acusados sem provas de pertencerem ao Tren de Aragua – foram defendidos pelo governo dos EUA, que alegou: "O Tren de Aragua (TdA) foi enviado pelo regime hostil de Maduro. O presidente [Trump] o designou como organização terrorista e, sob esta lei, tem autoridade para deportar esses terroristas".

Organizações como o Brennan Center for Justice criticaram o uso da Lei de Inimigos Estrangeiros (não utilizada desde a Segunda Guerra Mundial), destinada a conflitos bélicos, não a deportações arbitrárias.

A medida foi apoiada por María Corina Machado e Edmundo González, que emitiram um comunicado endossando a "ofensiva dos EUA contra a perigosa gangue Tren de Aragua", acusando os deportados de serem "criminosos empregados por Maduro".

A jogada por trás da humilhação

A deportação de centenas de venezuelanos inocentes é parte de uma campanha de ódio que visa desestabilizar a Venezuela internacionalmente. Até mesmo o juiz federal James Boasberg tentou bloquear as deportações, considerando-as ilegais, mas foi alvo de críticas da Casa Branca.

O advogado venezuelano Leopoldo Martínez Nucete provou à congressista María Elvira Salazar que a ligação entre migrantes e o Tren de Aragua é uma farsa, citando declarações do Departamento de Segurança Nacional dos EUA admitindo que a maioria dos deportados não tinha antecedentes criminais.

O analista internacional Jorge Valero denunciou: "É extorsão. Colocam uma escopeta no peito do governo e do povo venezuelano, usando nossos familiares como moeda de troca para impor condições em negociações".

O retorno à pátria

Enquanto isso, o governo venezuelano, através do Plano Volta à Pátria (desde 2018), já repatriou mais de 1 milhão de venezuelanos, oferecendo assistência jurídica, educacional e socioeconômica.


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