“Decisão do STF traz risco de censura na internet", aponta Flávia Lefèvre
Advogada critica ambiguidade do julgamento sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet e alerta para impactos negativos à liberdade de expressão
247 – Em entrevista ao programa Giro das 11, conduzido por Gustavo Conde no canal TV 247, a advogada e especialista em direitos digitais Flávia Lefèvre fez duras críticas à recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet. O julgamento, que reconheceu a inconstitucionalidade parcial do dispositivo, tem sido apontado por juristas e especialistas como confuso e perigoso para a liberdade de expressão no Brasil. Lefèvre detalhou os principais riscos da decisão, que, segundo ela, "pode abrir as portas para a censura privada, sem responsabilização judicial".
A decisão do STF, tomada no julgamento de dois recursos extraordinários movidos por Google e Meta, afirma que, em casos de crimes contra a honra, o artigo 19 continua válido, mas admite que as plataformas podem remover conteúdos por notificação extrajudicial, ou mesmo de forma proativa. “O problema é que esse ‘sem prejuízo’ da notificação extrajudicial gera uma ambiguidade enorme. Isso estimula as plataformas a derrubarem conteúdos por receio de responsabilização. E, pior, se o conteúdo for removido indevidamente, o usuário não terá direito a indenização, mesmo que ganhe na Justiça”, alertou Lefèvre.
Censura privada e insegurança jurídica
Lefèvre foi categórica ao apontar que a decisão do STF representa um incentivo para que as Big Techs promovam a remoção em massa de conteúdos, muitas vezes de forma arbitrária. “Ao invés de proteger o cidadão, essa decisão empodera as plataformas para exercerem uma censura privada, sem qualquer controle institucional eficaz. A tese aprovada pelo STF estabelece que, mesmo sem provocação judicial, os provedores devem agir proativamente em casos de crimes como terrorismo, instigação ao suicídio, ataques ao Estado democrático de direito. O problema é: quem define isso? E com base em que critérios?”, questionou.
Ela também demonstrou preocupação com o impacto que essa decisão pode ter sobre veículos e canais independentes de comunicação. “Na hora em que a gente estiver criticando atos do Congresso, como vamos nos defender da acusação de estar atentando contra o Estado democrático? Será que nossos conteúdos serão removidos? Quem nos protegerá? Isso é extremamente grave para a saúde do debate público e da democracia”, disse.
Crítica ao papel omisso do Congresso
A advogada ressaltou que o julgamento do STF tenta preencher um vácuo regulatório deixado pela paralisação do Projeto de Lei 2630, conhecido como PL das Fake News. “Esse vácuo é responsabilidade direta do presidente da Câmara, Arthur Lira, que enterrou a proposta sob pressão das plataformas. Agora, essas mesmas Big Techs que atuaram para impedir a regulação estão correndo ao Congresso para reclamar das obrigações impostas pelo STF”, apontou Lefèvre.
Segundo ela, o Congresso se mostra incapaz de legislar sobre temas fundamentais para a sociedade. “O que aconteceu com a derrubada do decreto sobre o IOF mostra o grau de descompromisso desses parlamentares com o interesse público. A desorganização institucional está generalizada. O Judiciário não deveria estar legislando, mas, diante do vazio, tenta regular o que deveria ser feito pelo Legislativo”, lamentou.
Falta de clareza e ausência de fiscalização
Outro ponto criticado por Lefèvre é a falta de clareza da decisão e a ausência de mecanismos de fiscalização. “A tese aprovada pelo STF tem 14 itens, muitos deles ambíguos. E quem vai fiscalizar se as plataformas estão ou não cumprindo? Não se definiu um órgão regulador. A única opção que resta é o Judiciário, o que significa um aumento gigantesco da judicialização”, alertou.
Ela também apontou que, apesar das menções ao Código de Defesa do Consumidor, não está claro se órgãos como a Secretaria Nacional do Consumidor ou a Secretaria de Direitos Digitais terão qualquer protagonismo na aplicação da decisão. “Isso reduz a eficácia prática da tese e pode tornar a situação ainda mais caótica”, afirmou.
Decisão não se aplica às eleições
Flávia Lefèvre destacou que o STF excluiu expressamente os processos eleitorais da aplicação dessa tese. “Nas eleições, continuam valendo a legislação eleitoral e as resoluções do TSE, inclusive aquelas que obrigam as plataformas a rotular conteúdos sintéticos ou manipulados por inteligência artificial. Mas o STF poderia ter ido além e reforçado a obrigatoriedade desse tipo de rotulagem para todos os contextos. Estamos expostos a uma avalanche de conteúdos manipulados e não conseguimos mais distinguir o que é verdadeiro do que é artificial”, lamentou.
A advogada encerrou sua participação com um alerta: “Estamos à beira de um novo ciclo de censura, desta vez praticada pelas plataformas com respaldo institucional. O STF precisava ser mais claro, o Congresso precisava legislar e o governo precisa agir. Caso contrário, quem vai pagar a conta é a sociedade e, sobretudo, a liberdade de expressão no Brasil”. Assista:
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