“Brasil falhou com os desaparecidos políticos, mas pode corrigir erro histórico”, diz Paulo Vannuchi
Para ex-ministro, STF deve rever anistia a torturadores e avanço da ONU exige compromisso real com vítimas e suas famílias
247 – Em entrevista à Academia Paulista de Direito e à TV 247, o ex-ministro de Direitos Humanos Paulo Vannuchi fez uma contundente análise sobre o papel do Judiciário brasileiro nas violações cometidas durante a ditadura e os desafios contemporâneos do combate aos desaparecimentos forçados. Nomeado para o Comitê da ONU responsável por monitorar a Convenção Internacional contra o Desaparecimento Forçado, Vannuchi apontou que a impunidade no Brasil alimentou novas formas de violência institucional e de repressão contra populações vulneráveis.
“O poder Judiciário é o grande devedor”, afirmou Vannuchi. Segundo ele, decisões isoladas de juízes de primeira instância têm sido derrubadas pelos tribunais superiores, e a decisão do Supremo Tribunal Federal de 2010, que considerou válida a Lei da Anistia de 1979, permanece como um obstáculo à responsabilização de torturadores e mandantes de crimes políticos. “A tortura não é crime político e jamais pode ser tratada como tal”, disse, referindo-se ao voto vencido do então ministro Ricardo Lewandowski.
STF pode rever decisão histórica ainda em 2025
Para o ex-ministro, há expectativa de que o STF reavalie a questão dos desaparecimentos forçados neste ano, abrindo caminho para reconhecer que esse tipo de crime — por sua continuidade até a localização da vítima ou do corpo — não prescreve. “Há uma maioria esboçada no Supremo que pode mudar esse entendimento. E isso inclui os casos da Guerrilha do Araguaia, Rubens Paiva, Stuart Angel, Fernando Santa Cruz e tantos outros”, pontuou.
Vannuchi também defendeu a importância da memória, verdade e justiça como pilares da democracia. “Se não fizermos esse trabalho, vai acontecer de novo. E aconteceu, com os quatro anos de Bolsonaro e os ataques de 8 de janeiro. Foi a comprovação trágica da omissão do país em punir os crimes da ditadura”.
Convenção internacional e o papel da América Latina
O novo cargo de Vannuchi no comitê das Nações Unidas marca o reconhecimento de uma trajetória de décadas em defesa dos direitos humanos. Ele lembra que a Convenção Internacional sobre Desaparecimento Forçado — em vigor desde 2010 — teve origem na mobilização de organizações latino-americanas diante das ditaduras do Cone Sul. “É uma contribuição da nossa região ao mundo. A pressão da Argentina, do Chile, de vítimas e ativistas foi determinante”, afirmou.
Apesar da importância do tratado, Vannuchi criticou a recusa de potências como Estados Unidos e China em aderir à convenção e alertou para a crise da própria ONU. “Trump já anunciou que cortará os recursos e cogita sair da OEA. Se o mundo está difícil com a ONU, será ainda pior sem ela”, alertou. Para ele, a credibilidade do sistema internacional depende do cumprimento dos compromissos assumidos, inclusive por países democráticos.
Do trauma individual à responsabilidade do Estado
A amplitude da definição de vítima na Convenção foi outro ponto ressaltado. “O trauma não é só de quem desapareceu, mas de toda uma rede familiar, afetiva e social”, explicou. Casos como o de Rubens Paiva ilustram esse impacto coletivo e intergeracional. Segundo Vannuchi, a convenção obriga os Estados a promover reparações que envolvam não apenas compensações financeiras, mas também apoio psicológico, social e simbólico.
Ele citou o caso emblemático de uma mãe que, décadas após o desaparecimento do filho militante, ainda sonha com o retorno do jovem. “Toda vez que bate uma janela, ela corre achando que o filho voltou. Isso é o desaparecimento forçado”, resumiu.
Desaparecimentos se atualizam em contextos democráticos
Vannuchi alertou ainda para novas modalidades de desaparecimento forçado, associadas a guerras, migrações, tráfico de pessoas e ações do crime organizado. “México e Colômbia têm mais de 100 mil desaparecidos nos últimos dez anos. E não viveram ditaduras recentes”, destacou. O Brasil também registra dezenas de milhares de desaparecimentos por ano, muitos não solucionados.
Para o ex-ministro, parte da responsabilidade está na omissão do Estado diante de redes criminosas e do próprio aparato repressivo. “O crime organizado oferece salários que o policial não ganha, e a corrupção contamina o sistema”, afirmou, lembrando ainda que o desaparecimento é usado como ferramenta para ocultar a repressão. “É mais fácil sumir com o corpo do que assumir o crime. Isso dificulta o trabalho do direito e da Justiça”. Assista:
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