Todos os antieméticos do mundo não impedem a ânsia de vômito
Mais do que meras tarifas, essas medidas são sanções econômicas do governo dos EUA contra o Brasil e sua democracia, estimuladas pela família Bolsonaro
Desde janeiro de 2009 até junho de 2025, o Brasil acumulou um déficit comercial de bens com os EUA de US$ 90,28 bilhões. Se levarmos em consideração também o déficit dos serviços, o déficit total do Brasil com os EUA chega, nos últimos 15 anos, a mais de US$ 410 bilhões.
Assim sendo, não há, evidentemente, justificativa técnica e racional para as medidas anunciadas por Trump, mesmo sob o parâmetro que o governo trumpista costuma utilizar para impor tarifas, qual seja, o déficit comercial bilateral que os EUA sustentam com outros países.
Observe-se, adicionalmente, que essas tarifas de Trump impostas ao Brasil, assim como todas as outras tarifas do governo Trump, contrariam os princípios e regras da OMC, inclusive o da “nação mais favorecida”, o qual obriga um país-membro da OMC a tratar todos os outros países da forma como trata a nação mais favorecida, sem discriminar ninguém, exceção feita aos países que estabeleceram acordos especiais de livre comércio.
No caso do Brasil, portanto, os motivos das tarifas são puramente políticos e ideológicos, o que despertou um ácido comentário do Prêmio Nobel estadunidense Paul Krugman, o qual afirmou que essa atitude de Trump é motivo para impeachment. Krugman adicionou, ademais, que Trump age de forma insana e irracional.
Segundo Paul Krugman, "repare que Trump mal finge ter uma justificativa econômica para essa ação. Tudo isso tem a ver com punir o Brasil por colocar Jair Bolsonaro em julgamento", afirmou. "Não seria a primeira vez que os Estados Unidos usam a política tarifária para fins políticos". "Agora, Trump está tentando usar tarifas para ajudar outro aspirante a ditador", disse Krugman.
Inacreditável. Teve de vir um economista estadunidense, Prêmio Nobel, para defender o Brasil e dizer a verdade.
Mais do que meras tarifas, essas medidas são sanções econômicas do governo dos EUA contra o Brasil e sua democracia, estimuladas pela família Bolsonaro, que, mediante o enviado especial da quinta-coluna, Eduardo Bolsonaro, se esforçou bastante para implantá-las.
Esses motivos políticos são de duas ordens.
Há, é claro, como destacou Krugman, o desejo de anistiar Bolsonaro e todos os golpistas, de interferir indevidamente na Justiça do Brasil, que é independente.
Mas creio que também há motivos geopolíticos mais amplos e profundos.
A liderança regional do Brasil, embora justamente centrada na relativa autonomia da América Latina, na recusa a alinhamentos automáticos com quaisquer potências extrarregionais e avessa à adesão descabida à nova “Guerra Fria”, é, do nosso ponto de vista, o obstáculo mais significativo à efetivação da nova e crua Doutrina Monroe, que Trump sonha implementar em nossa região.
Como afirmou Pete Hegseth, secretário de Defesa de Trump: “precisamos recuperar nosso quintal”. Pois bem, para recuperar o “quintal”, é preciso destruir a liderança regional do Brasil.
E Lula, sabem eles, é uma formidável barreira a essa pretensão imperialista crua e vergonhosa.
O Brasil de Lula é, na América Latina, a vanguarda da aliança do Sul Global com o BRICS e da construção de uma ordem global “anti-imperialista”, fundada na multipolaridade e na reconstrução do multilateralismo. O Brasil, gostem ou não os “vira-latas” de sempre, é uma peça estratégica no tabuleiro mundial do xadrez geopolítico.
Não é à toa que essa decisão de Trump vem logo após a reunião do BRICS, no Rio de Janeiro, que o deixou muito nervoso e inquieto.
É, sobretudo, uma punição política, que não tem nenhuma relação com o comércio exterior do Brasil, o qual, como observamos, é fortemente deficitário com os EUA.
Mas quais seriam os impactos concretos dessas medidas políticas e ideológicas, estimuladas por Bolsonaro?
Em primeiro lugar, é preciso considerar que os EUA, hoje em dia, absorvem apenas cerca de 12% das nossas exportações.
O Brasil não é como o México, por exemplo, cujas exportações se destinam, em mais de 70%, aos EUA.
Entretanto, há setores importantes que, mesmo assim, serão impactados. Segundo cálculos da CNI, em 2024, a cada R$ 1 bilhão exportado ao mercado americano, foram criados 24,3 mil empregos, R$ 531,8 milhões em massa salarial e R$ 3,2 bilhões em produção no Brasil.
O Brasil exporta para os EUA principalmente aviões, peças de carros, suco de laranja, carnes, aços e café.
Em relação às commodities agrícolas (café, carnes, suco de laranja etc.), é possível aliviar parcialmente o prejuízo explorando novos mercados, na Europa e no Sul Global.
Mas, em relação a produtos industriais de maior valor agregado, a coisa muda de figura.
Os aviões da Embraer, em particular (jatos comerciais, jatos privados, aviões para a agricultura, cargueiros etc.), são produtos muito caros, que são difíceis de encontrar destino, de uma hora para outra, em mercados alternativos.
Cerca de 60% do faturamento da Embraer vem de vendas para os EUA. Assim, se a decisão desastrosa de Trump, estimulada por Bolsonaro, se mantiver, essa estratégica empresa de alta tecnologia, um orgulho do Brasil, poderá passar por maus momentos.
Estados como o de São Paulo, cujo governador veste o boné do MAGA e cujas exportações se destinam, em cerca de 30%, aos EUA, poderão também ser muito prejudicados. A principal fábrica da Embraer fica em Gavião Peixoto (SP).
Adiantou alguma coisa o governador Tarcísio vestir o boné do MAGA? Não adiantou nada. Trump está se lixando para Tarcísio e para São Paulo. E se lixando para o Brasil também.
Nesse contexto, a anódina manifestação dos dois chefes do Legislativo brasileiro, que sequer menciona as absurdas tarifas — as mais altas do mundo — que seriam aplicadas ao Brasil, decepciona profundamente quem tem um mínimo de brio patriótico.
Porém, essa coisa lamentável e vergonhosa terá, creio, um efeito didático: o setor empresarial produtivo brasileiro vai acabar por perceber que quem o defende, de verdade, é o governo Lula.
Bolsonaro et caterva são meros sabujos cujo “patriotismo” começa e termina na submissão vil e pusilânime ao império trumpista.
Na hora de se defender o Brasil, não se pode contar com vastos setores da direita e, principalmente, da extrema-direita. Esses já entregaram corpo e alma ao entreguismo mais vil e baixo. Aqueles que já venderam sua alma não se envergonham de vender a pátria. Vai tudo junto.
Horas antes de Trump agredir de forma tão vil o Brasil, suas empresas e seus trabalhadores, a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara aprovou uma inacreditável “Moção de Louvor e Regozijo” a Trump, na qual se elogia o “Excelentíssimo Senhor Donald John Trump, Presidente dos Estados Unidos da América – EUA, pelo brilhante trabalho desenvolvido como presidente da maior nação (sic!) e pela incansável luta em defesa da democracia e da liberdade de expressão em todo o planeta”.
Todos os antieméticos do mundo não impedem a ânsia de vômito.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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