SINDAE: guardião da soberania e do direito à água – preservação do saneamento público na Bahia
O SINDAE nos mostra que a luta pelo saneamento público é, acima de tudo, uma luta pela democracia e pela soberania popular sobre os recursos naturais
O SINDAE (Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgotamento Sanitário e Meio Ambiente do Estado da Bahia) lidera a defesa do modelo público de saneamento na Bahia. Em um contexto nacional de ataques sistemáticos aos serviços públicos essenciais, a entidade consolidou-se como a barreira mais firme contra o avanço da privatização, especialmente no saneamento básico. Mais do que um sindicato de classe, o SINDAE assume o papel de agente político e social na proteção da soberania popular sobre a água e o esgotamento sanitário.
Com atuação combativa, estratégica e profundamente enraizada nas comunidades, o sindicato denuncia os impactos sociais, ambientais, econômicos e trabalhistas decorrentes da entrega da EMBASA (Empresa Baiana de Águas e Saneamento) e dos SAAEs (Serviços Autônomos de Água e Esgoto) ao setor privado. A mercantilização do acesso ao recurso hídrico, impulsionada por grandes conglomerados financeiros e por setores neoliberais do Estado brasileiro, ameaça transformar um direito humano fundamental em ativo de mercado, subordinado à lógica do lucro e da exclusão.
Privatização do saneamento: o avanço de um projeto excludente - Em todo o Brasil, sob o pretexto de modernização e eficiência, o processo de privatização das empresas de saneamento tem avançado de forma célere e silenciosa, sobretudo por meio da implantação das famigeradas parcerias público-privadas (PPPs), deixando um rastro de desmonte, aumento de tarifas, descontinuidade nos serviços e colapso da infraestrutura pública.
Em Sergipe, o governo estadual concedeu, em 2024, parte dos serviços de distribuição de água e de coleta e tratamento de esgoto da DESO (Companhia de Saneamento de Sergipe), gerando forte reação da sociedade civil, que denuncia falta de transparência e alerta para os riscos de desabastecimento em áreas rurais e periféricas.
Em São Paulo, o governo estadual, com seu projeto neoliberal obscurantista, avança na privatização da SABESP, empresa responsável pelo abastecimento de mais de 28 milhões de pessoas, mesmo diante das projeções de aumentos abusivos de tarifas e do risco de exclusão das populações que vivem em áreas de difícil acesso.
O Rio de Janeiro já vive as consequências da privatização parcial da CEDAE, que resultou, nos anos subsequentes, em aumento expressivo das tarifas, denúncias de má qualidade da água e falhas recorrentes no abastecimento. A promessa de modernização deu lugar à ineficiência privada e à insegurança sanitária.
Mais recentemente, mesmo diante de uma das maiores tragédias climáticas da história, o Rio Grande do Sul insiste em desmantelar suas estruturas públicas de saneamento, colocando a privatização acima da reconstrução social e ambiental.
Esses exemplos não são exceções: são a regra de um projeto que aposta na desresponsabilização do Estado e na transferência de direitos à lógica da mercadoria.
O papel insubstituível do SINDAE - Em tempos de avanço neoliberal e de políticas depredatórias da extrema-direita sobre bens e serviços públicos, o papel do SINDAE tem se tornado não apenas relevante, mas absolutamente insubstituível. A entidade sindical protagoniza uma das frentes mais sólidas e bem-sucedidas de resistência ao processo de privatização do saneamento básico no país, especialmente diante da tentativa de desmonte da EMBASA (Empresa Baiana de Águas e Saneamento), referência em eficiência, abrangência e compromisso social. A atuação do SINDAE vai muito além da defesa corporativa dos trabalhadores: expressa um sindicalismo combativo, territorializado e voltado à construção de um projeto coletivo de justiça hídrica.
A luta conduzida pelo SINDAE é de longa duração, forjada em mobilizações populares, denúncias jurídicas, audiências públicas e batalhas políticas nos mais diversos municípios baianos. Um dos exemplos mais emblemáticos ocorreu em Eunápolis, onde o sindicato, ao longo de sete anos, enfrentou estrategicamente o processo de privatização da água. As ações incluíram manifestações, denúncias de irregularidades, articulação com parlamentares e intervenções jurídicas junto ao TCM e ao TJ-BA, resultando em medidas cautelares e na paralisação de licitações ilegais.
O desfecho em Eunápolis foi histórico: o prefeito Robério Oliveira reconheceu o erro de excluir a EMBASA e renovou o contrato com a estatal, agora com investimento de R$ 468 milhões para elevar a cobertura de esgotamento sanitário de 10% para 90%. Essa reviravolta só foi possível graças à resistência ativa do SINDAE, que manteve postura firme diante de um cenário político adverso e da ação de lobistas empresariais.
A atuação do sindicato não se restringe a momentos de crise. Na agenda estratégica de 2025, o SINDAE reafirmou sua disposição de articular-se com instâncias estaduais e nacionais, como a CNU (Confederação Nacional dos Urbanitários), a FRUNE (Federação Regional dos Urbanitários do Nordeste) e o ONDAS (Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento), consolidando uma frente ampla contra a entrega do saneamento ao capital financeiro.
Além disso, o SINDAE promove ações de formação crítica de base, incorporando pautas como análise de conjuntura econômica (em parceria com o DIEESE), novas exigências do Marco Legal do Saneamento, impactos da financeirização da água e disputa de narrativas na mídia. Essas iniciativas fortalecem a consciência política da categoria e ampliam a capacidade de mobilização, transformando o sindicato em um núcleo irradiador de resistência na Bahia e em referência nacional e internacional.
O SINDAE também se faz presente em comitês de bacias hidrográficas, fóruns ambientais e conselhos participativos, levando a pauta do saneamento público além dos muros das empresas e dos SAAEs a elas vinculados. Ao conectar-se com agendas maiores — direito à cidade, sustentabilidade ambiental, segurança hídrica e justiça social —, a entidade confere à luta sindical uma dimensão civilizatória, em que defender a água é defender a vida.
A articulação territorial é outro diferencial. Com representantes de base distribuídos por todo o estado, o sindicato atua de forma capilarizada, garantindo que alertas contra a privatização e retrocessos nos direitos dos trabalhadores cheguem diretamente à população. Essa capilaridade é essencial para enfrentar a ofensiva do mercado, que se vale de desinformação, promessas ilusórias e acordos políticos subterrâneos.
No âmbito jurídico, o SINDAE nunca recua. Em diversas ocasiões, ingressou com ações coletivas para impedir ilegalidades em processos de licitação que violavam a legislação e ignoravam instâncias microrregionais. Em Eunápolis, por exemplo, o TJ-BA reconheceu que criar uma autarquia municipal de saneamento sem anuência dos colegiados microrregionais violava a lei — ponto crucial na argumentação técnica do sindicato.
Essa postura firme e juridicamente embasada faz do SINDAE guardião da legalidade democrática no setor de saneamento, atuando onde o Estado, muitas vezes, se omite ou se alia a interesses privados. A exigência de que a EMBASA adote medidas legais contra a privatização não é meramente pressão política, mas defesa da Constituição Federal e dos princípios da administração pública.
A defesa da EMBASA enquanto empresa pública e estratégica é outro pilar da atuação sindical. O SINDAE entende que destruir a estatal é minar a capacidade do Estado de garantir acesso universal à água e ao esgotamento sanitário. Por isso, a luta pela manutenção da EMBASA não é corporativista, mas estratégica, visando um modelo público de gestão hídrica comprometido com equidade e planejamento de longo prazo.
O trabalho recente do sindicato também foi reconhecido institucionalmente. Em um gesto inédito, o governador Jerônimo Rodrigues convidou o SINDAE para a cerimônia de assinatura dos contratos de financiamento com o Banco do Nordeste para obras de saneamento em três grandes municípios baianos. Esse convite simboliza o reconhecimento do sindicato como agente legítimo na formulação e execução de políticas públicas.
O SINDAE nos mostra que a luta pelo saneamento público é, acima de tudo, uma luta pela democracia e pela soberania popular sobre os recursos naturais. Ao impedir que a água se torne mercadoria, o sindicato reafirma um princípio civilizatório: ninguém pode lucrar com a sede do outro. Proteger a água é proteger o futuro, e o SINDAE se coloca na linha de frente dessa missão, com coragem, inteligência política e profundo compromisso com o povo baiano.
Tal altivez e postura tem revelado que a luta pela água é, antes de tudo, uma luta pela democracia, pelo acesso universal e pela autonomia dos povos. A defesa da EMBASA não é apenas uma causa corporativa – é uma batalha civilizatória. O mundo aprendeu – e está voltando atrás - O Brasil caminha na contramão de uma tendência global. Nos últimos 20 anos, diversos países que privatizaram seus sistemas de saneamento enfrentaram sérias crises – e agora estão revertendo esse processo. A experiência mostrou que empresas privadas priorizam lucro sobre universalização, transparência e inclusão social.
França, Alemanha, Itália, Espanha, África do Sul, Filipinas, Bolívia e Hungria são exemplos concretos de países ou regiões que optaram pela reestatização de serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Em Paris, a cidade retomou o controle público da água em 2010, após 25 anos de gestão privada que resultaram em tarifas elevadas e opacidade nos contratos. Desde então, os custos diminuíram, os investimentos aumentaram e a transparência na gestão tornou-se uma referência.
Em Berlim, a reestatização ocorreu após forte mobilização popular e denúncias de práticas abusivas por parte das empresas privadas. A lógica é simples: quando a água é administrada como direito, o serviço se orienta por critérios de justiça social; quando é vista como mercadoria, prevalece o interesse de acionistas.
No Chile, herança direta do modelo neoliberal implementado na ditadura de Pinochet, a quase total privatização dos direitos sobre a água levou à superexploração dos recursos hídricos por mineradoras e agroexportadoras. Cerca de 90% dos direitos de uso estão nas mãos de grandes empresas, enquanto familiares e comunidades vulneráveis enfrentam falta de água potável, ligações clandestinas e ausência de saneamento básico – resultando em graves problemas de saúde e exclusão social.
O Brasil poderia aprender com esses exemplos: retomar o controle público do saneamento é essencial para garantir tarifas justas, universalização do acesso e gestão transparente.
Água como direito: um manifesto pelo futuro - É preciso reafirmar: a água não é mercadoria.
O abastecimento de água e o esgotamento sanitário são pilares da saúde pública, da dignidade humana, da justiça ambiental e da soberania nacional.
A privatização do saneamento básico converte esses direitos em mercadorias, sujeitas ao consumo e à exclusão.
O resultado é a degradação da vida e a violação de direitos humanos.
Enquanto setores do poder econômico tentam avançar sobre a EMBASA, o povo baiano – liderado por seus trabalhadores e sindicatos – tem mostrado que outra via é possível e necessária. Uma via que acredita no serviço público, que investe em infraestrutura, que respeita o meio ambiente e que coloca o bem-estar coletivo acima dos lucros.
A luta do SINDAE, da EMBASA e da população da Bahia não é apenas regional: é uma inspiração para o Brasil e para o mundo. Em tempos de retrocesso e entreguismo, resistir é avançar. E defender o saneamento como direito é, mais do que nunca, um ato revolucionário.
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