Ser CLT virou ofensa

A direita e o neoliberalismo conseguiram. A mídia insistiu e acabou convencendo o público e a sociedade burguesa acabou definindo que o empreendedorismo é a grande sacada. Ser CLT é uma ofensa, é ser diminuído e um mau exemplo. Eu sempre pensei o contrário e me espanta a campanha que se vê nos programas de TV a favor do empreendedorismo, como se empreender, ser autônomo e ter sucesso. Não é fácil. A ideia do coletivo sumiu. É igual ao sonho de ser jogador de futebol. Vai ver quantos jogadores existem, até talentosos, que passam fome? Vai ver também a quantidade de empreendedores terceirizados, entregadores de comida ou mercadoria que correm nas suas motos desviando da morte e tentando sobreviver?

Empreender é um sonho. Claro que todo mundo quer. Sobretudo os jovens. Mas não tem lugar para todos. Vai ver a situação dos mais velhos sem aposentadoria, sem garantias de sobrevida com dignidade. Todo jovem vai envelhecer e aí eu quero ver como eles vão fazer? Será que terão disciplina de recolher todo mês um pouco do seu ganho para garantir o futuro? Não vejo velhos entregadores de I-Food. Só jovens. A grande conquista do mundo foi, há alguns anos, a garantia dos trabalhadores, aposentados e pensionistas. Um país que envelhece como o Brasil precisar ter isso. Mesmo com o escândalo do INSS a aposentadoria é uma realidade. O que o empreendedorismo pensa sobre isso? O que faz sobre isso. Estimula a previdência privada? Quem ganha com isso e quem consegue?

Li agora que ser CLT virou quase um palavrão. No meu tempo, e ainda penso assim, ser CLT era uma salvação. A classe trabalhadora (é, ainda existe) lutou por décadas para conseguir chegar a este ponto de segurança e garantia. A social democracia e o que sobrou do socialismo conseguiram avanços difíceis de regredirem. Ser um trabalhador com carteira assinada é uma boa e o que não funciona, como transporte público, saúde e outras benesses não são decorrência de ser CLT.

Ninguém permanece jovem a vida toda. Depois de envelhecer é muito bom se aposentar e ter o merecido descanso, ou mesmo a oportunidade ou o direito de ganhar mais somando, aí sim, o empreendedorismo à aposentadoria. A sociedade, o mundo liberal, o mercado, a indústria e o estado têm obrigação de cuidar de quem trabalhou a vida toda. Ser CLT garante isso, mas o mundo moderno, o mundo do tik-tok, das redes socais não dá mais importância devida. Não dá nem importância aos estudos. Para que perder tempo estudando se uma dancinha nas redes ou um conselho barato pode render milhões de seguidores e o sonho da independência financeira. Para uma sociedade abandonada e sem instrução é o que sobra.

Mas é triste um mundo assim e o Brasil acaba sendo um dos maiores exemplos dessa degradação. Todas as vezes que tentaram regularizar os precários não deu certo. Vivemos um dilema que ainda vai dar num cenário bastante dramático daqui a alguns anos. Espero que a sociedade encontre um jeito de abrigar seus empreendedores sem abandonar seus CLTs. Talvez seja um sonho. Talvez o mundo esteja caminhando para esse extermínio silencioso e só sobrem empreendedores e de sucesso. A população, a classe trabalhadora atrapalha o mundo moderno. Como dizia uma celebridade que já não lembro o nome, trabalhar cansa.