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Elisabeth Lopes

Advogada, especializada em Direito do Trabalho, pedagoga e Doutora em Educação

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Orçamento público e justiça social: a luta do governo Lula contra a captura parlamentar

A expansão das bancadas de direita e extrema direita nas casas legislativas tem se convertido em um obstáculo real à continuidade de projetos progressistas

Esplanada dos Ministérios, com o Congresso Nacional ao fundo, em Brasília - 07/04/2010 (Foto: REUTERS/Ricardo Moraes)

Ao examinarmos a longa trajetória de iniquidades cometidas pelo Congresso Nacional, não é difícil constatar que sua atual composição superou qualquer expectativa negativa no que diz respeito ao apoio a projetos de justiça social promovidos pelo Executivo. O legislativo federal tem se mostrado absolutamente inclinado a promover cortes que atingem diretamente o povo, sempre em benefício de uma minoria privilegiada de super ricos que segue surfando incólume no rentismo improdutivo.

Deputados e senadores da direita reacionária e da extrema direita bolsonarista, em ação coordenada, aprovaram o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 314/2025, que reduz a arrecadação do governo federal e anula o Decreto do Executivo nº 12.499/25. Este, por sua vez, visava alterar as regras de incidência do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), não apenas como uma medida de ajuste fiscal, mas como parte de um esforço para promover justiça tributária, um princípio básico de qualquer política progressista.

A celeridade com que Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara, colocou a votação em pauta teria sido motivada, segundo aliados, por sua irritação com o governo devido à demora na liberação de emendas parlamentares, além de críticas feitas por membros do Executivo, pela derrubada do veto do presidente Lula, que restaurou dispositivos da Lei das Eólicas Offshore, que resultarão num aumento expressivo das tarifas de energia elétrica. Tal comportamento revela não apenas a imaturidade de sua liderança, mas também o autoritarismo disfarçado dos políticos da direita autodenominada moderada.

No Senado, Davi Alcolumbre (União-AP) segue a mesma tônica ao afirmar que a derrota do governo foi construída “a várias mãos”, numa tentativa dissimulada de dividir responsabilidades e desviar a atenção do boicote ao governo. Outra motivação por trás dessa ação coordenada entre Câmara e Senado seria o incômodo com decisões recentes do ministro Flávio Dino, que determinou maior transparência na destinação das emendas parlamentares. 

Nesse episódio, os presidentes das duas Casas Legislativas finalmente escancararam seus objetivos de asfixiar o governo federal e inviabilizar sua governabilidade até as eleições de 2026. O que está em curso é uma ofensiva estratégica para impulsionar a candidatura do bolsonarista de extrema direita, Tarcísio de Freitas à Presidência da República, com o intuito de retomada do projeto neoliberal implementado pelo ex-presidente inelegível. A meta é clara: desmantelar os direitos sociais duramente conquistados nos governos progressistas de 2003 a 2016, ampliando o poder do Congresso sobre o orçamento e impedindo o Executivo de governar com mínima autonomia.

O plano está lançado. Cabe agora ao governo reagir com veemência e construir uma comunicação clara e contínua junto à população. Não se trata apenas de melhorar a comunicação interna entre ministérios, mas de cumprir o dever democrático de informar o povo que elegeu o projeto político em 2022. É imprescindível inteirar o povo sobre os avanços e os bloqueios enfrentados. Os brasileiros precisam compreender quem são os verdadeiros responsáveis pelos retrocessos e pelos obstáculos à implementação de políticas públicas que visam a redução das injustiças sociais.

Sem uma comunicação sistemática e acessível, a elite econômica continuará operando nos bastidores para sufocar qualquer possibilidade de desenvolvimento de uma consciência crítica popular. A expansão das bancadas de direita e extrema direita na Câmara e no Senado tem se convertido em um obstáculo real à continuidade de projetos progressistas no Brasil. É assustador testemunhar a destruição deliberada de qualquer iniciativa voltada à diminuição da desigualdade social no país.

O governo necessita de um equilíbrio fiscal sustentável para continuar financiando políticas públicas nas áreas de saúde, educação, moradia e segurança alimentar. No entanto, a desinformação promovida por setores da mídia corporativa, aliada ao discurso populista e enganoso da direita, cega parte da população justamente a mais afetada pelas decisões tomadas pelo Congresso. Muitos não percebem que os parlamentares que elegeram atuam contra seus próprios interesses, protegendo apenas os lobbies e os privilégios de setores econômicos que já acumulam isenções e vantagens históricas.

Nesta semana, em entrevista à GloboNews, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) não apenas defendeu a derrubada do Decreto do IOF como uma decisão acertada, como também afirmou que Lula ‘já não é mais chefe de governo, mas apenas chefe de Estado’. Essa declarações escancaram o projeto de poder que o Centrão e a extrema direita articulam para 2026: esvaziar politicamente o governo e pavimentar o caminho para a retomada de um comando autoritário no país.

Esse movimento, entretanto, não se limita ao discurso. Ele se materializa em ações concretas do Congresso que visam ampliar seu próprio poder. Ao mesmo tempo em que inviabilizaram o Decreto do IOF, os parlamentares aprovaram o aumento do número de deputados na Câmara, de 313 para 331. A medida, que sobrecarregará ainda mais o orçamento público, mostra o total desprezo do Congresso pela austeridade que exige do Executivo e pelo sofrimento da população que dizem representar. Como refere o economista José Faria: “O ministro Haddad tem dado ênfase a arrecadar cobrando impostos de quem não paga ou paga menos do que todos nós contribuintes pagamos e o Congresso recusa” (disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br). Como reverberado em milhares de publicações nas redes sociais: O Congresso é inimigo do povo.

Nessa configuração grotesca de um Poder Legislativo multifacetado em bancadas defensoras de interesses reacionários frequentemente em desacordo com as necessidades da maioria dos brasileiros, que acordam todos os dias preocupados com a possibilidade de seus salários não cobrirem sequer a alimentação dos filhos até o fim do mês seguinte, Guilherme Boulos (PSOL-SP), em entrevista à TV Fórum, referiu: “O poder do Congresso já vem crescendo desde 2015 com o Eduardo Cunha, quando tornaram as emendas parlamentares impositivas. Com o Orçamento Secreto, o Congresso sequestrou parte do orçamento da União sem levar a responsabilidade junto”.

Nessa direção, o ministro Flávio Dino tem atuado com firmeza no propósito de moralizar o uso das emendas parlamentares impositivas. Ontem (27/06/2025), coordenou uma Audiência Pública no âmbito das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 7688, 7695, 7697) para discutir, com especialistas, a constitucionalidade dos dispositivos que regem essas emendas, com base nos seguintes itens: a) a obrigatoriedade das emendas individuais e de bancada diante da separação de Poderes e do sistema presidencialista; b) a razoabilidade do volume de recursos a elas destinado; c) o aumento gradativo desses valores; d) os mecanismos de transparência e rastreabilidade. Atualmente, o orçamento destinado às emendas parlamentares gira em torno de R$ 50 bilhões, incluindo as emendas individuais de transferência especial, denominadas emendas Pix, as individuais de transferência com finalidade definida e as de bancada.  

Inspirada na fala de Boulos e nas ações do Ministro Flávio Dino, cabe ressaltar que o Congresso brasileiro vem se consolidando como um dos principais entraves à justiça social, à responsabilidade fiscal progressiva e à própria democracia representativa. Ao operar sistematicamente contra os interesses do povo e a favor de uma elite econômica insaciável, os parlamentares aprofundam o fosso entre representados e representantes. 

Diante desse cenário, o governo Lula está avaliando a judicialização da inconstitucional derrubada do Decreto do IOF pelo Congresso, frente à captura do orçamento por setores privilegiados. Essa iniciativa não apenas será uma resposta jurídica, mas poderá ser um gesto político que aponte para a necessidade de restaurar os princípios constitucionais e os limites institucionais do Legislativo. 

Contudo, mais do que reagir pontualmente, trata-se de abrir uma frente política que fortaleça o projeto de país em disputa. Nesse horizonte, o governo deve avançar em seu projeto de nação popular, intensificar o diálogo direto com a sociedade, denunciar de forma estratégica as usurpações institucionais e politizar com clareza as disputas em curso. A corrida eleitoral de 2026 já começou e não será vencida apenas nas urnas, mas também na construção cotidiana da consciência crítica e da mobilização popular. Neste momento, o silêncio e a passividade serão aliados do retrocesso.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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