O eixo do mal
É uma operação discursiva. Transformar ofensiva em resposta, beligerância em equilíbrio, destruição em estabilidade. Transformar o incendiário em bombeiro
Não é uma frase nova. Nem é fruto da inevitabilidade. Apenas retorna com o verniz técnico das análises de risco.
“Se Israel falhar em neutralizar o Irã...” — e o condicional já opera como autorização.
Não se discute o direito à defesa. Se ensaia o argumento da antecipação.
Drones cortam o céu de Tel Aviv. Mísseis partem de Natanz.
A escalada ganha imagens, gráficos e ruídos.
O alvo é o Irã — mas o protagonista da encenação é Israel, no papel estratégico da vítima útil.
Sua vulnerabilidade performada sustenta a ideia de urgência, de excepcionalidade.
Israel, potência nuclear não declarada, com apoio irrestrito dos EUA, posa de acuada para mobilizar o coro ocidental.
Enquanto isso, alertas circulam nos bastidores diplomáticos: petróleo, fuga de capitais, passagem de Ormuz bloqueada
A escalada da guerra é precificada antes de ser anunciada.
O programa nuclear iraniano, que os EUA sabotaram ao romper o acordo em 2018, virou peça central.
Mais útil como ameaça do que como questão real resolvida.
É aí que o plano se acomoda.
A incapacidade calculada de Israel em conter o Irã justifica o próximo passo.
A presença americana “torna-se necessária”. O Capitão América singra o ar.
Bases são ativadas, porta-aviões reposicionados, sistemas Aegis acionados — tudo em nome da contenção.
Mas a contenção nunca é o fim. É o pretexto.
É uma operação discursiva.
Transformar ofensiva em resposta, beligerância em equilíbrio, destruição em estabilidade.
Transformar o incendiário em bombeiro.
Os gestos falam antes dos tiros.
A linguagem calibrada, os comunicados “técnicos”, a cobertura “analítica”.
Não se declara guerra. Se constroem consensos e cidades destruídas se transformam em cartão postal da única paz possível.
E quando vier, parecerá inevitável.
Porque foi ensaiada, encenada, repetida — não nas ruas, mas nas redações.
Não nos parlamentos, mas nos mercados.
E a adesão já estará pronta. Como sempre esteve.
O Irã é o próximo.
Mas o espelho está aqui, diante dos olhos: Gaza, massacrada e em ruínas.
Gaza nunca foi exceção, é um modelo praticado há décadas. Campo de testes, vitrine de impunidade, espetáculo de punição coletiva que produz naturalização global. Genocídio, limpeza étnica.
Ali, o mundo já se acostumou com crianças mortas, hospitais destruídos, jornalistas assassinados. E essa aceitação silenciosa é parte do manual.
E não esqueçamos do Iraque, Líbia, Síria.
A diplomacia não colapsou. Foi cuidadosamente esvaziada. O cinismo de Trump durante essa semana é o protótipo.
Organismos internacionais são citados, mas ignorados. Relatórios são redigidos, reuniões marcadas. Os conflitos internos de cada país sao cuidadosamente colocados no tabuleiro.
A linguagem da legalidade é background conveniente. Em seu lugar, vigora a "segurança nacional" — termo plastificado que justifica qualquer massacre e anestesia qualquer crítica.
O “Eixo do Mal” continua vivo.
Como o rótulo oficial funcional de destruição do outr, o código operativo, o próximo passo do protocolo.
Hoje, não precisa ser dito: basta ser insinuado. O Irã, cercado, demonizado, sancionado, é a peça final desse tabuleiro.
O roteiro é antigo. A linguagem muda. As ruínas se repetem. E a paz rescende carniça.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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