Nem Nostradamus previu
Nem Nostradamus previu que o fascismo voltaria no século XXI, fantasiado de crente ultraliberal
Amanheci desanimado e o Rinaldo Fusco, meu sócio na empresa de consultoria empresarial, percebeu e me perguntou a razão.
Além da tal neuropatia periférica ter dado o ar da graça nesses dias, as sucessivas derrotas do governo Lula no congresso nacional me preocupam, pois, sinalizam que a relação institucional entre o executivo e o legislativo ultrapassou aquilo que se costuma chamar de esgarçamento, ou seja, os fios do tecido político já se romperam e chegaram num patamar que pode levar a uma crise institucional grave.
O Fusco, que é um profissional e uma pessoa espetacular, tentou me animar e disse: “Deixa disso, isso não muda as nossas vidas? Temos contratos assinados, trabalho a entregar, anime-se”.
Ele e muita gente boa, engana-se quando afirma que as decisões de Brasília não nos alcançam, pois, com um congresso majoritariamente de direita e extrema-direita - nossos congressistas são extremamente conservadores, ultraliberais e sensíveis às dores da elite nacional -, nós de classe-média continuaremos sem as nossas demandas serem contempladas e, como zumbis, aplaudindo decisões que nos prejudicam.
Ele me perguntou: “O que é classe média para você?”. Bem, entendo que o termo “classe-media” diz respeito àquela pessoa que, tendo alguma habilidade de trabalhar, necessita de um emprego para vender essa habilidade, que Marx chamava de “força de trabalho” para continuar subsistindo; também são de classe média os indivíduos que cuidam dos seus próprios negócios, que tem pequenos negócios, no campo ou na cidade, os pequenos industriais, os comerciantes e os profissionais liberais. Ele interessou-se pelo assunto e, em tom provocativo perguntou: “Por que você acha que esse congresso não tem olhar para a classe média?”. Como o mundo está na palma da mão, peguei o celular, dei um Google e mostrei a ele um levantamento que apurou que, para a maioria dos deputados federais, o agronegócio é o setor que mais influencia as decisões do Congresso Nacional. Não é difícil concluir que, passados 136 anos do golpe civil-militar que instituiu provisoriamente a república no Brasil, para atender os interesses da elite agrária nacional do final do século XIX, nada mudou de verdade; o olhar do congresso não está direcionado para questões como inclusão social, ou seja, os objetivos da republica, esculpidos no artigo 3º da Constituição Federal, não são importantes para essa gente. A elite e seus representantes no congresso, nas assembleias legislativas e nas câmaras de vereadores, não tem nenhum compromisso com a construção de “uma sociedade livre, justa e solidária” (inciso I, artigo 3º da CF); “garantir o desenvolvimento nacional” (inciso II, artigo 3º da CF); “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (inciso III, artigo 3º da CF) e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (inciso IV, artigo 3º da CF) não é preocupação da maioria dos nossos congressistas, eles estão lá para defender a elite nacional, agrária e financeira (tenho duvidas se esses senhores e senhoras tem algum compromisso com o desenvolvimento da indústria nacional); penso que os congressistas, majoritariamente, são carreiristas, que buscam o enriquecimento pessoal e que são representantes de interesses de uma elite à qual não pertencemos.
E Lula 3 é um governo nota 6 apenas, apesar dos bons indicadores macroeconômicos, pois, o chamado Lula 3, ao contrário de Lula 1 e 2, nunca teve maioria no congresso, o que torna impossível avanços que contemplem a classe média.
Fusco me perguntou “Por que isso aconteceu?”. Porque os partidos de centro-esquerda perderam a capacidade de conversar com a sociedade e muitos dos nossos representantes de centro-esquerda se meteram em constrangedoras e impensáveis lambanças, além do que eles estão sempre de olho nas próximas eleições e esqueceram de conversar com o povo.
Do outro lado, os pacóvios da extrema-direita (ultraliberais, neopentecostais, fascistas de até 40 anos de idade, dentre outros), que corrompem ou são corrompidos desde 1500, dominam a comunicação moderna e continuam não se preocupando em mentir deslavadamente nas redes sociais, no whatsapp e através de outros canais onde o chorume alimenta seus cochos dos adeptos de um mundo em ruinas; a extrema-direita precisa do caos e do medo, pois são eles que mantêm mentes fracas aprisionadas num mundo ficcional de mentiras e versões.
Esse processo anticivilizacional não é “privilégio” do Brasil, quando olhamos para o mundo, vemos a direita e a extrema-direita em ascensão e a esquerda sem lugar de fala, acuada, nem Nostradamus previu que o fascismo voltaria no século XXI, fantasiado de crente ultraliberal.
Lamentavelmente a ascensão da extrema-direita tem sido uma tendência marcante na política global recente, com exemplos notáveis em diversos países. No mundo atual, governos e partidos de extrema direita têm ganhado destaque, muitas vezes explorando o desencanto das populações com a economia e com a democracia liberal; usam pautas nacionalistas, conservadoras e populistas, exatamente como fizeram Mussolini, Hitler, Salazar e Franco na primeira metade do século XX (como profetizou o velho Marx: “A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”).
Analistas costumam afirmar que a onda conservadora ou maré azul - fenômeno político que surgiu em meados dos anos 2010 aqui na América Latina, sucedendo a guinada à esquerda do período anterior -, decorre da onda de escândalos de corrupção que envolveram os governos de esquerda no continente fizeram que os mesmos se desgastassem.
Esses analistas acreditam que quando os governos de esquerda ou centro-esquerda, cada um com seu estilo, assumiram nos vários países da região (durante a guinada à esquerda), as sociedades estavam cansadas e vínhamos de várias crises econômicas mal administradas por governos de direita ou por ditaduras; os governos de esquerda resgataram e melhoraram a vida de muitas pessoas, mas faltou um projeto de longo prazo e além disso quanto mais melhoram de vida, mais as pessoas ficam exigentes, isso é algo muito curioso.
Quando fiz um curso de economia da UNICAMP, conheci uma jovem que cursou economia da PUC, graças ao PROUNI e estava conosco na pós-graduação, graças a uma bolsa da FAPESP (uma das principais agências de fomento à pesquisa científica e tecnológica do país), contudo, todo seu discurso era conservador e muito crítico às políticas sociais de distribuição de renda e de inclusão social. Um triste paradoxo que me incomodava, em razão da evidente falta de nexo ou lógica.
Há quem afirme que os governos de esquerda só tiveram êxito na primeira década desse século graças à alta do preço das commodities, e complementam dizendo que os governos de esquerda falharam em não pensar em políticas de longo prazo. Opinião com a qual eu não concordo integralmente.
Em escala global o fenômeno da “maré azul” pode ser associado às vitórias de Trump nos EUA em 2016 e 2024 e à ascensão de partidos de extrema-direita na Europa, situando a onda conservadora da América do Sul neste contexto.
Contudo, em meados da segunda década do século XXI, a tal maré azul deu sinais de declive em razão das eleições de candidatos progressistas como Lopez Obrador, no México; Alberto Fernandes, Argentina; Luís Arce, Bolívia; Joe Biden nos EUA e Lula no Brasil; devemos lembrar de outros países como Peru, Chile, Honduras, Colômbia, que elegeram líderes de esquerda, o que poderia indicar o início da chamada Segunda guinada à esquerda na América Latina (eu não acredito em “declive” da extrema-direita, especialmente no Brasil, muito pelo contrário).
Para onde vamos?
Não sei, mas não estou nada animado.
Se eu fosse dirigente partidário eu colocaria “todas as minhas fichas” na eleição de deputados estaduais, deputados federais e senadores, pois, se a extrema-direita tiver maioria no congresso ela dominará o executivo e o legislativo e alcançará o que buscou recentemente: instituir um estado teocrático, ultraliberal, com evidente descompromisso com a democracia representativa e social-liberal que a nossa Constituição Federal comanda.
Essas são as reflexões.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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