Cúpula da Otan: militarismo, crise de confiança e contradições interimperialistas
Em vez de paz e estabilidade, a Otan oferece ao mundo mais armas, mais tensão, mais guerra e menos soberania para os povos europeus e demais regiões do mundo
Por José Reinaldo Carvalho - A cúpula da Otan realizada em Haia na quarta-feira (25) foi vendida ao público como um sucesso, com líderes exaltando o aumento para 5% do PIB em gastos militares e reforçando o discurso de união frente às supostas ameaças externas. Mas, para quem observa com atenção, o que o encontro deixou exposto foi uma aliança profundamente fraturada, subordinada às vontades de Washington, corroída por contradições internas entre os próprios países membros e cada vez mais dependente dos humores erráticos do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
A começar pela própria necessidade de “moldar” toda a cúpula ao estilo do inquilino da Casa Branca. O encontro foi reduzido a um único dia, o comunicado final foi enxugado ao mínimo e os discursos cuidadosamente moderados — tudo para evitar provocar o ocupante da Casa Branca. Uma coreografia constrangedora para países que têm mania de grandeza. A maior aliança militar do planeta, com 32 países e um PIB coletivo colossal, agora pauta suas decisões e sua diplomacia com medo do Twitter de Donald Trump.
O aumento para 5% do PIB em gastos militares, apresentado como uma demonstração de força e coesão, nada mais é do que um reflexo de imposições. Foi Trump, já em seu primeiro mandato, que iniciou a chantagem: ou os europeus abriam o cofre, ou os EUA repensariam seu compromisso com a aliança. Agora, ele volta ao poder e, sem surpresa, exige a conta e a Europa paga.
Por trás dessa submissão, no entanto, há contradições latentes. A relação entre os Estados Unidos e seus “aliados” europeus está longe de ser harmônica. São notórias as divergências quanto aos rumos estratégicos da Otan, à tática sobre a guerra na Ucrânia e à autonomia militar e econômica da União Europeia. O desconforto europeu com o protecionismo econômico de Washington, as disputas comerciais e a imposição de sanções extraterritoriais pelos EUA evidenciam que, longe de ser uma aliança coesa, a Otan é hoje um palco de contradições interimperialistas.
A ambiguidade de Trump sobre o artigo 5 do tratado, o compromisso central da Otan de que um ataque a um é um ataque a todos, resume a situação.
Enquanto isso, os europeus se dividem. A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, evoca o Império Romano e diz que “se você quer a paz, prepare-se para a guerra”, numa retórica que ecoa o belicismo e o espírito expansionista que sempre marcaram o núcleo da Otan. Já o espanhol Pedro Sánchez alerta que há limites econômicos e sociais para essa corrida armamentista. França e Alemanha, por sua vez, insistem na velha ideia de construir uma capacidade de defesa europeia mais autônoma.
A Ucrânia, mais uma vez, serve de exemplo. A mesma Ucrânia que há anos é usada como pretexto para a escalada militar da Otan foi tratada como coadjuvante na cúpula. Zelensky esteve em Haia, mas sua participação foi simbólica e esvaziada. Porque, no fundo, ninguém no bloco quer acelerar de fato o processo de adesão ucraniana — pelo menos, não enquanto Trump decidir manter sua ambiguidade. A Ucrânia é útil enquanto peça de xadrez no jogo de pressão contra a Rússia, mas sua integração real à aliança é um passo que nem todos estão dispostos a dar, especialmente quando os custos e riscos recaem sobre a Europa, mas as decisões estratégicas seguem concentradas em Washington.
Do lado de fora, a Rússia aproveitou o espetáculo. Putin, de São Petersburgo, ridicularizou o discurso alarmista da Otan e lembrou que os países da aliança gastam em armamentos mais do que o resto do mundo inteiro somado, incluindo Moscou e Pequim. Dizer que a Rússia representa uma ameaça real à Otan é, no mínimo, forçar a narrativa. Mas essa retórica é justamente o combustível para justificar a nova corrida armamentista, os lucros bilionários da indústria bélica e o fortalecimento do aparato militar.
Não se trata apenas de segurança — trata-se de manter a engrenagem militarista girando. A Otan, sob o discurso da defesa, nada mais faz do que alimentar um círculo vicioso de tensões, confrontos e gastos astronômicos, beneficiando o complexo industrial-militar, principalmente dos EUA, enquanto arrasta a Europa para uma militarização cada vez mais insustentável.
O que ficou da cúpula de Haia não foi a imagem de uma aliança sólida, mas de um bloco submisso a Washington, dividido entre as bravatas militaristas e o medo real de ver a Otan ruir por dentro. O aumento dos gastos pode reforçar o poder de fogo da aliança, mas não resolve sua crise de confiança — nem esconde o fato de que, por trás da fachada de “união”, as contradições interimperialistas, o mal-estar europeu com a tutela norte-americana e o belicismo estrutural da Otan continuam corroendo as bases do bloco.
A Europa e o mundo não precisam de militarismo, políticas belicistas e concepção de segurança de um grupelho de países com imperialistas. A "defesa coletiva" da Otan, desde sempre é exclusivista, em detrimento da segurança dos demais países e povos. Persegue fins agressivos e nessa medida ameaça a paz mundial.
Em vez de paz e estabilidade, a Otan oferece ao mundo mais armas, mais tensão, mais guerra e menos soberania para os povos europeus e demais regiões do mundo.
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