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Ricardo Queiroz Pinheiro

Bibliotecário e pesquisador, militante do livro e leitura, doutorando em Ciências Humanas e Sociais (UFABC)

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A política do STF

É preciso afirmar com clareza: é inevitável que decisões judiciais tenham conteúdo político

Plenário do STF (Foto: REUTERS/Ton Molina)

O Supremo Tribunal Federal não é vilão nem salvador da política. É um ator político central, inserido nas engrenagens do poder institucional. Oscila conforme o contexto, mas nunca fora da lógica de reprodução do Estado. Nos últimos anos, a esquerda alternou repulsa e entusiasmo diante do STF — o que revela mais confusão conceitual do que estratégia política. Esse pêndulo entre a condenação e o aplauso mostra a dificuldade em compreender o papel real que a Corte ocupa.

Durante o mensalão e a Lava Jato, o Supremo Tribunal Federal acompanhou o lavajatismo, chancelou violações de garantias e fez vistas grossas a arbitrariedades. No impeachment de Dilma, sua omissão foi decisiva. Já na reversão da prisão de Lula e na contenção dos golpistas em 2022, passou a ser exaltado como bastião da democracia. Nesse momento, realizou o que o jurista italiano Norberto Bobbio chamaria de aggiornamento: uma atualização estratégica para preservar a ordem institucional frente à crise. Mas é preciso lembrar que a lógica que rege o STF não é a da coerência moral — é a do cálculo institucional marcado por interesses de classe. Em nenhum desses episódios o tribunal atuou fora dos limites do sistema: respondeu a pressões, defendeu sua legitimidade e se moveu dentro do campo de forças que molda o Estado brasileiro.

É preciso afirmar com clareza: é inevitável que decisões judiciais tenham conteúdo político. Leis nascem de disputas parlamentares, doutrinas se organizam a partir de ideologias jurídicas dominantes, e juízes interpretam conforme suas visões de mundo e interesses de classe. A presença do político não anula o Direito — ela é parte constitutiva de sua natureza. Por isso, é fundamental distinguir entre judicialização da política (quando o Judiciário é provocado por impasses ou omissões dos outros poderes) e politização da Justiça (quando juízes decidem intervir no jogo político guiados por interesses não jurídicos). O problema não está em reconhecer que o Direito é político, mas em aceitar que ele opere sem controle público e sem crítica democrática.

A decisão do ministro Alexandre de Moraes sobre o IOF — que suspendeu tanto o decreto de Haddad quanto sua derrubada pelo Congresso — é um exemplo ilustrativo. Amparado por argumentos técnicos, o ministro travou uma tentativa de taxar operações financeiras de alto valor, protegendo, ainda que de forma indireta, os interesses do capital financeiro. O STF pode conter arroubos autoritários, corrigir desvios táticos e modular crises, mas não romperá, de modo estrutural, com os fundamentos do sistema que o sustenta. Pode provocar feridas colaterais ao capital, jamais confrontá-lo como lógica de dominação.

Por isso, é preciso romper com o vício de tratar o Supremo conforme a conveniência do momento. A esquerda precisa abandonar a ilusão de que gestos pontuais sinalizam alinhamento estrutural, e entender que o STF é uma instância de poder — não uma instância de salvação. Sua atuação deve ser analisada criticamente, a partir de sua inserção no conjunto da ordem social. Não é freio absoluto nem motor de transformação. É parte do Estado — e, como tal, precisa ser tensionado, compreendido e disputado.

Em síntese: o STF é um agente político que opera dentro dos limites do sistema. A crença liberal de que ele possa suspender seu caráter político e pairar acima dos interesses concretos é, no mínimo, ingênua — quando não desonesta. Pode moderar crises, conter excessos e corrigir desvios, mas jamais confrontará os fundamentos do poder econômico. Compreender isso é condição para que a crítica de esquerda não oscile entre euforia e desilusão, mas se mantenha lúcida diante do jogo institucional.

Há algo que repito como mantra: ilusão e auto engano na política é o último passo para o abismo.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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