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Jonnas Vasconcelos

Professor da UFBA e da UNIFACS. Coordenador do BRICS+ Research Center (NEPBRICS). Autor de “A Agenda Regulatória dos BRICS” (Dialética, 2020).

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A cúpula dos BRICS de 2025

O Brasil da presidência dos BRICS: prioridades, limitações e resultados diante de um cenário global turbulento

(Foto: Ricardo Stuckert / PR)

Do a terra é redonda

É sempre um desafio fazer um balanço de um evento que acaba de acontecer. Igualmente difícil é prever seus impactos de longo prazo. Dito isso, penso que uma avaliação justa da Cúpula dos BRICS de 2025 deve considerar, ao menos, quatro elementos centrais: (1) o contexto internacional e doméstico em que foi realizada; (2) a dinâmica flexível do grupo; (3) os objetivos e as prioridades definidos pela presidência rotativa do Brasil; e (4) os desafios globais urgentes, sobretudo, no campo do desenvolvimento sustentável.

A Cúpula de 2025 ocorreu em um dos contextos globais mais turbulentos desde a fundação do grupo. O cenário internacional atual é marcado por múltiplas e simultâneas crises. Para citar algumas: o recrudescimento do protecionismo nos Estados Unidos e a desorganização de cadeias globais de valor, especialmente com o “tarifaço” de Trump; o genocídio em curso, na Palestina; o recente ataque de Israel ao Irã; e a persistente guerra na Ucrânia.

Esse cenário geopolítico instável coincidiu com um período de crescimento dos BRICS. Nos últimos dois anos, o grupo passou de cinco para onze membros plenos, além de contar com mais dez “países parceiros” oficialmente associados. Embora essa expansão aumente o peso geopolítico e econômico do grupo, ela também levanta uma questão fundamental: como os BRICS podem lidar com tamanha diversidade interna e, ao mesmo tempo, manter a capacidade de adotar posições comuns? Sem um mecanismo eficaz de coordenação — ainda mais considerando a prática histórica de tomada de decisões somente por unanimidade —, o grupo corre o risco real de se tornar apenas mais um “talk shop” na cena internacional — um espaço de discursos, com pouca ação concreta. Algum nível de institucionalização parece ser desejável não só para estruturar direitos e deveres dos membros e a memória organizativa, mas também para viabilizar a continuidade dos trabalhos ao longo do tempo – pois não são poucas as propostas lançadas e aventadas, durante uma Cúpula, que não são desenvolvidas naquela subsequente.

No Brasil, a situação interna também foi complexa. Do ponto de vista político, o atual governo Lula é de “frente ampla”. Isso significa que reúne múltiplos setores: desenvolvimentistas ao lado de alas neoliberais com vínculos evidentes com os interesses dos EUA e da União Europeia. Essa diversidade dificulta a formação de consensos estratégicos sobre o papel dos BRICS na política externa brasileira. No plano econômico, as restrições fiscais limitaram os recursos disponíveis para iniciativas diplomáticas, impactando diretamente na dimensão organizativa da presidência brasileira. Agravando a situação, a decisão pelo encurtamento do calendário naturalmente reduziu o tempo de articulação preparatória, dificultando o amadurecimento de propostas tão importantes quanto sensíveis, como a agenda da desdolarização. Além disso, o ambiente interno ainda é marcado por força social da extrema-direita, que instrumentaliza a relação do Brasil com os BRICS como parte de sua estratégia de agitação e difamação ideológica.

Com esse contexto, ao assumir a presidência rotativa dos BRICS, o governo brasileiro definiu seis prioridades centrais: (i) saúde global; (ii) comércio e finanças; (iii) mudanças climáticas; (iv) governança da inteligência artificial; (v) reforma da arquitetura multilateral de paz e segurança; e (vi) desenvolvimento institucional dos próprios BRICS.

Diante dessas limitações internas, da instabilidade geopolítica mais ampla e das escolhas governamentais, os resultados da Cúpula BRICS devem ser avaliados com nuance e cautela. Nesse sentido, entendo que a Cúpula apresentou avanços importantes, mas também demonstrou desafios persistentes.

Na área da saúde global, por exemplo, o destaque foi para o lançamento da Parceria BRICS para a Eliminação de Doenças Socialmente Determinadas— uma iniciativa muito importante para as comunidades mais vulneráveis. No comércio internacional, os BRICS reafirmaram o seu discurso de compromisso com o multilateralismo, criticando de forma indireta as medidas tarifárias unilaterais dos Estados Unidos. No tema ambiental, reafirmou seu apoio às agências multilaterais e à agenda em torno da COP-30.

Um outro ponto de destaque foi o debate sobre inteligência artificial, onde os BRICS se posicionaram de forma propositiva, defendendo a regulação multilateral, bem como os princípios da soberania digital e do direito ao desenvolvimento.

No campo da paz e segurança, o grupo reiterou seu apoio tradicional ao direito internacional, aos direitos humanos, ao direito humanitário e ao papel do sistema das Nações Unidas – ainda que reformado. Essas afirmações indicam uma posição clara: os BRICS buscam se posicionar como uma força de estabilidade na governança global, promovendo a multipolaridade com respeito às normas internacionais.

No domínio financeiro e monetário, os resultados foram mistos. Por um lado, os BRICS reafirmaram seus pleitos históricos por reformas nas governanças do FMI e do Banco Mundial, advogando a maior participação dos países do Sul Global. Destaque, ainda, para uma ênfase na inclusão de mulheres em posições de liderança nessas instituições. No que diz respeito aos instrumentos próprios do grupo, dois avanços principais merecem destaque. Em relação ao Arranjo Contingente de Reservas (ACR) – um fundo virtual de US$ 100 bilhões criado em 2014, para auxiliar os países em caso de crises nos balanços de pagamentos –, anunciou-se a existência de acordo na revisão do seu tratado e regulamentos, sinalizando que o grupo buscará reduzir sua dependência do Dólar e aprimorar os mecanismos de gestão de riscos — um passo importante rumo à chamada “desdolarização” e à redução do vínculo desse instrumento ao FMI. Uma reunião especial sobre a ampliação da membresia do ACR, inclusive, está prevista para o segundo semestre. Essas ações podem contribuir para dinamizar o mecanismo e explorar seus potenciais, retirando-o do plano simbólico.

O Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), por sua vez, especialmente sob a liderança de Dilma Rousseff, tem avançado de forma importante, superando alguns gargalos operacionais históricos, como o ritmo de desembolsos e de adesão de novos membros. Somente nos últimos dois anos, o Banco aprovou quase o mesmo número de novos membros (Algéria, Colômbia e Uzbequistão) que nos oito anos anteriores (Bangladesh, Egito, Emirados Árabes e Uruguai). A maior novidade, contudo, reside no anúncio da incubação da Iniciativa Multilateral de Garantias dos BRICS como projeto-piloto no NBD – um instrumento importante para a redução de riscos de investimentos e, com isso, para ampliar a oferta de recursos.

Por outro lado, em áreas mais sensíveis, o progresso foi limitado. Temas como a criação de um sistema alternativo de pagamentos, novos arranjos monetários e reformas no ecossistema das agências de classificação de risco foram tratados apenas de forma genérica. Isso evidencia dificuldades persistentes de coordenação e falta de consenso entre os Estados-membros, agravadas com o calendário encurtado.

Obstáculos semelhantes foram percebidos na meta do desenvolvimento institucional. As expectativas de uma maior institucionalização dos BRICS não se concretizaram. Ainda assim, um aprimoramento institucional relevante foi o funcionamento do Conselho Popular dos BRICS, oficializado na Cúpula de Kazan, em 2024, e que, nesse ano, desempenhou um papel importante na ampliação da participação democrática e na valorização das vozes dos movimentos sociais e populares.

Considerando tudo isso, três pontos de síntese.

Primeiro, é preciso reconhecer que a presidência brasileira realizou muito, especialmente diante das difíceis circunstâncias internas e internacionais em que atuou — ainda que o grupo BRICS, como um todo, possua um potencial muito maior a ser explorado, sobretudo, no campo da cooperação financeira e monetária. Os BRICS podem desempenhar um papel relevante na transformação do atual sistema monetário e financeiro internacional, que representa um verdadeiro obstáculo ao avanço da agenda do desenvolvimento sustentável. Esse sistema não apenas favorece a canalização de recursos para os mercados dos países ricos, como também falha em contribuir para a cobertura do déficit anual de financiamento da Agenda 2030, estimado em cerca de US$ 4 trilhões, enfrentado pelos países do Sul Global.

Em segundo lugar, a postura dos BRICS é mais bem caracterizada como um grupo que advoga por uma multipolaridade com multilateralismo — ou seja, por uma distribuição mais plural do poder, acompanhada do respeito ao direito internacional e às instituições da governança global. Nesse sentido, os BRICS se colocam, ironicamente, como os principais defensores de uma ordem internacional liberal, embora com reformas, em contraste com o papel das potências ocidentais — em particular dos Estados Unidos — que vêm adotando atitudes que enfraquecem as próprias instituições que outrora ajudaram a construir.

Terceiro, não há dúvida de que, em um mundo marcado por desafios urgentes e complexos — de conflitos armados aos impactos disruptivos das novas tecnologias — ,os BRICS oferecem, nesse momento histórico, uma plataforma relevante para o diálogo, a reforma e a ação coletiva. Se essas iniciativas forem sustentadas e aprofundadas e se forem ampliados os canais de participação popular dentro da estrutura do grupo, os BRICS poderão contribuir significativamente para a construção de uma ordem global mais justa e inclusiva.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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