A crítica que incomoda
E a violência que se relativiza...
Desde os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, quando movimentos ultradireitistas invadiram e depredaram o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Palácio do Planalto, em Brasília, temos acompanhado uma curiosa inversão de valores no debate público. Manifestações de violência institucional ganham tratamento de “movimento a ser compreendido”, enquanto críticas políticas, dentro da legalidade, são apresentadas como “ruptura institucional”.
Violência ignorada, anistia considerada
Não faltaram vozes em editoriais, colunas e declarações públicas buscando suavizar o caráter criminoso do 8 de janeiro: chamaram de “manifestação”, pontuaram supostas “causas” tentando responsabilizar a esquerda, minimizaram os atos de destruição do patrimônio público e até sugeriram anistia aos envolvidos. Um ato em 06/04/2025 reuniu milhares na Avenida Paulista clamando pela anistia, com apoio de figuras destacadas da extrema direita (cbn.globo.com) como o ex-presidente Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.
Esse movimento ocorre em contraste com instituições democráticas, que classificaram o episódio publicamente como terrorismo, golpe e violência política. O STF considerou criminoso o atentado e manifestantes foram condenados por crimes graves de diversas naturezas.
Criticar incomoda
Quando o presidente Lula, eleito com mais de 60 milhões de votos, critica, dentro do espaço institucional, o funcionamento do Congresso, o que se vê é uma reação desproporcional:
- A Folha destacou que a “cúpula da Câmara” reagiu mal ao discurso de Lula que criticou o legislativo como “ricos contra pobres”
- Informações públicas apontam que a Câmara e o Senado derrubaram, em 26/06/2025, o decreto de reajuste do IOF, com forte apoio de partidos da base, fortalecendo a narrativa de entrave institucional
- Lula foi citado com a frase: “cada macaco no seu galho. Ele legisla, e eu governo”, reação que a imprensa destacou como sinal de “confronto entre os Poderes”.
A lógica é perversa. A violência física, mesmo terrorista, é relativizada, mas a crítica política, legítima e democrática, é tratada como ruptura do Estado de Direito.
Isso expõe um claro viés. O debate é tolerável até onde não perturbe o equilíbrio de interesses existentes. Quando o presidente aponta a farra das emendas parlamentares, os gastos do Congresso sem qualquer transparência ou controle do Executivo e do Judiciário, os privilégios corporativos e os cortes de direitos em nome do ajuste fiscal, a resposta automática é encobrir o debate.
Em defesa da democracia
Criticar despesas obscuras, intervenções corporativas e retrocessos sociais é vivenciar plenamente o Estado Democrático de Direito. A democracia verdadeira se fortalece com polêmica, com confronto de ideias, com críticas simétricas, nunca silenciando quem aponta privilégios.
O que enfraquece a democracia é relativizar quem depreda o Congresso, e ao mesmo tempo calar quem critica seu funcionamento. A defesa da ordem constitucional inclui responsabilizar os criminosos e reconhecer o direito de Lula e de qualquer cidadão de denunciar o que acredita ser injustiça institucional.
A reação às redes progressistas
Se por um lado a imprensa tradicional tenta construir a imagem de um governo fragilizado e radicalizado, por outro, o crescimento da militância progressista nas redes sociais surpreendeu e incomodou o establishment. A mobilização digital por justiça fiscal após o evento de desaprovação do aumento do Imposto sobre operações financeiras (IOF) e da isenção de imposto de renda dos que ganham até cinco salários mínimos mensais, pelo Congresso Nacional, e os conteúdos virais em defesa do governo Lula vêm furando a bolha e ocupando espaços antes dominados pela extrema direita.
Nos últimos dias, cresceu nas redes sociais um sentimento de repúdio à atuação do Congresso Nacional, especialmente diante de votações que enfraquecem pautas sociais, ambientais e democráticas. O sentimento é legítimo — mas é preciso ir além do desabafo e entender o que está em jogo quando a representação popular se descola do povo.
A indignação explodiu. Milhares de postagens no X (antigo Twitter), TikTok, Instagram e outras plataformas denunciaram o Congresso como “vergonha nacional”, chamando parlamentares de cúmplices de banqueiros, do agronegócio e do garrote fiscal que pressiona o governo Lula. O alvo principal: votações recentes que desfiguraram o projeto de justiça fiscal do governo, blindaram os super-ricos e enfraqueceram o poder Executivo.
Hugo Motta, virou o pivôt das críticas. Como costuma acontecer no ambiente digital, memes inundaram o Instagram, o X e o Facebook.
Um dos mais vistos foi o vídeo em que o presidente da Câmara, Hugo Motta, bebe whisky direto da garrafa, durante uma festa junina em Patos, na Paraíba, reduto eleitoral do deputado. Na adaptação que corre nas redes, a garrafa tem estampada a palavra “emendas”, numa alusão ao alto valor das “intocáveis emendas parlamentares”.
O que há de novo nesse movimento é sua transversalidade. Setores da juventude progressista, militantes de esquerda e até eleitores independentes se uniram na crítica. Não é antipolítica. É sinal de que a paciência popular tem limite.
Um Congresso contra o povo?
É fato. Boa parte do Congresso atual foi eleita sob o signo do bolsonarismo, da aliança com o capital financeiro e da força do agronegócio predatório. Não é surpresa que pautas como a taxação de grandes fortunas, a reforma do Imposto de Renda ou a proteção aos povos indígenas sejam tratadas com desprezo por essa maioria.
O Congresso é uma arena política complexa. Há parlamentares que resistem, propõem, constroem. E há uma institucionalidade que, por mais limitada que seja, precisa ser preservada para que as disputas democráticas sigam ocorrendo. Não se pode cair na armadilha de tachar todo o Congresso como “inimigo do povo” — essa fórmula foi usada por Trump, por Bolsonaro, por todos os que tentam desacreditar a política em nome do autoritarismo. E nós acreditamos na política.
Crítica popular e responsabilidade histórica
A força da crítica que circulou nas redes não pode ser menosprezada. Ela expressa um sentimento real de abandono e traição. É um grito por representação autêntica. O desafio agora é canalizar essa energia para ações políticas concretas: pressionar parlamentares, mobilizar movimentos sociais, disputar eleições com candidatos comprometidos com o bem comum.
Mais do que atacar o Congresso, é hora de expor os interesses que o capturam. É hora de perguntar: quem financiou essas campanhas? Quem lucra com a manutenção dos privilégios? Quem está por trás da blindagem aos bilionários?
Esse novo vigor da esquerda digital assustou e muito. Rapidamente, colunistas, parlamentares e setores conservadores passaram a tachar essas movimentações de “máquinas de ódio” ou “ataques à democracia” ferindo a independência entre os três poderes da república.
“Brincadeira”, essa tentativa de criminalizar a crítica que parte da sociedade civil. O que realmente os desestabiliza é perceber que perderam o monopólio da narrativa. A esquerda reaprendeu a disputar a opinião pública com criatividade, coragem e contundência, e isso tem deixado muita gente em pavorosa.
Mais política, não menos
O caminho não é o colapso das instituições, é sua reconstrução. O Congresso atual talvez não nos represente. Mas ainda é ali que se definem leis, orçamentos, direitos. Por isso, a luta precisa continuar. Não contra a política, mas contra os que a sequestraram.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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